Para nós, adultos, pode ser um grande desafio lidar com a morte e, claro, para as crianças também. Normalmente, uma criança que perdeu alguém próximo só quer continuar com a sua vida normal. Não quer mais mudanças. Quer manter as suas atividades “como se nada tivesse acontecido”. Ao mesmo tempo, quer que os adultos entendam a dor que sente e saibam o momento exato em que necessita de um abraço.
Mikaela Övén
— Serás sempre o meu pequeno Benny — sussurrou ela.
Ben lembrou-se de como costumava odiar esse nome. Agora adorava-o.
— Eu sei — disse ele, com um sorriso. — E tu serás sempre a minha avozinha gângster.
Mais tarde, já a avó tinha partido, Ben seguia em silêncio no banco de trás do carro dos pais, a caminho de casa. Estavam todos cansados de chorar.
Já se via imensa gente nas ruas a fazer compras de Natal, as estradas estavam cheias de carros e havia uma longa fila para o cinema. Ben não conseguia perceber como era possível a vida correr normalmente quando algo tão grave e importante tinha acabado de acontecer.
O carro virou a esquina e aproximou-se das filas de lojas.
— Posso ir num instante à loja do Raj, por favor? — perguntou Ben. — Não demoro muito.
O pai estacionou o carro e Ben foi sozinho até à loja. Caía uma neve muito leve.
PLIM!, fez a campainha quando a porta abriu.
— Ahh, jovem Ben! — exclamou Raj. O lojista percebeu o ar triste de Ben. — Aconteceu alguma coisa?
— Sim, Raj… — balbuciou Ben. — A minha avó acaba de morrer.
De alguma forma, dizê-lo em voz alta fez com que começasse outra vez a chorar. Raj apressou-se a sair de trás do balcão e deu um grande abraço a Ben.
— Oh, Ben, lamento imenso. Há algum tempo que não a via e calculei que não estivesse bem.
— Pois não. Raj, eu só queria dizer — disse Ben, fungando — muito obrigado por me teres ralhado daquela vez. Tu tinhas razão, a minha avó não era nada chata. Ela era maravilhosa.
— A minha ideia não era ralhar contigo, Ben. Só achei que nunca te tinhas dado ao trabalho de conhecer verdadeiramente a tua avó.
— E tinhas razão. Havia tanta coisa que eu nem imaginava. — Ben limpou as lágrimas com a manga.
Avozinha Gângster, David Walliams, Porto Editora, 2014
O processo de luto passa, normalmente, por três fases. Numa primeira fase, pode haver negação, choque e apatia. Na segunda fase, a do luto mais agudo, pode ter sentimentos como a tristeza, depressão, raiva, culpa, ansiedade, medo e dor física. Na última fase, dá-se início o processo de adaptação e aceitação da nova realidade.
A propósito deste tema, o psicólogo e autor Dr. Sameet Kumar faz a distinção entre “luto agudo” e “luto subtil”. O “luto agudo” corresponde àqueles momentos mais duros, mais difíceis de lidar, que se sentem como inultrapassáveis; o “luto subtil” refere-se aos momentos em que parece que estamos a respirar mais facilmente, a sentir as coisas com muito menos intensidade. Podemos ter a certeza de que a criança irá passar tanto por uma experiência como por outra, várias vezes.
Quando uma criança sofre, queremos cuidar dela, protegê-la e confortá-la. Mas temos de calibrar o momento certo para o fazer. As crianças não conseguem nem querem ficar com a dor psicológica da perda durante muito tempo seguido. Por isso, é habitual, por exemplo, continuarem a brincar ou a fazer outras coisas para se livrarem dela. Mas, de repente, a dor pode reaparecer, passando de “subtil” a “aguda”, no meio de uma brincadeira ou outra situação que lembre a perda. É como se o luto chegasse, ficasse um pouco e partisse. Vem, fica e vai. Aliás, é o que acontece com todos os sentimentos. Quanto mais permitirmos e aceitarmos este processo, melhor. E, felizmente, as crianças têm bastante facilidade em passar da fase “aguda” à “subtil”.
Uma criança tem dificuldade em entender as consequências da perda, e demora a perceber o significado da morte e que a pessoa não irá voltar. Tende também a focar-se no aqui e no agora e são muitas as vezes em que os adultos interpretam isso como se ela “não se importasse”, “já se tenha esquecido”, “já se tenha habituado” ou “já tenha ultrapassado”, o que não é bem verdade e pode até levar a criança a sentir-se incompreendida. O mais provável é que dentro da cabeça da criança se estejam a formular muitas perguntas, mesmo que ela não as verbalize.
Uma criança que perde alguém muito próximo como um pai, uma mãe ou, por exemplo, uma avó com um papel importante na sua educação pode perder também a confiança na vida, nas outras pessoas, no futuro e em si própria. De repente, aquela pessoa que ela achou que ia estar sempre presente, já não está.
Além ou em vez do choro, a criança pode apresentar um comportamento agressivo e de muita raiva. Também pode exprimir a sua desilusão ou culpa, comportando-se de forma mais imatura, regredindo no comportamento. Pode sentir dificuldades em dormir e começar a fazer chichi na cama. E dar início a um rol de perguntas, que podem ser surpreendentes (e não é necessário saber a resposta a todas).
Deve procurar ajuda profissional se sentir que a criança continua a apresentar dificuldades durante muito tempo; nomeadamente em dormir, em concentrar-se, problemas com amigos e na escola ou um comportamento depressivo.
O luto, por norma, é trabalhoso, doloroso e cansativo. Tanto física como emocionalmente. É importante lembrar-se de que cada criança tem as suas reações e o seu processo de luto, e que cabe ao adulto adaptar-se às suas necessidades. E, neste processo, esteja consciente de que os seus dois contributos mais poderosos poderão ser a sua presença consciente e o reconhecimento dos estados emocionais da criança.
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