Por Amanda Mont’Alvão Veloso
No começo de dezembro, enquanto milhões de brasileiros choravam as mortes de 71 pessoas no voo do time da Chapecoense, os colombianos, diante da nossa dor, estendiam não só a mão, como todos os ritos possíveis de solidariedade e de compaixão.
A Colômbia mostrou a dimensão ilimitada da empatia. Por meio dela, somos capazes de nos colocar, imaginariamente, no lugar do outro e, assim, termos mais condições de compreender uma dor ou uma dificuldade que não são nossas.
Com a empatia, podemos emprestar nossos sentimentos mais acolhedores a quem precisa deles. É deixar um pouco a nossa visão de mundo e tentar enxergá-lo por outro olhar; é, portanto, reconhecer a existência do outro por aquilo que ele é, um outro, com características próprias, e não uma extensão de nós mesmos.
A empatia dos colombianos comoveu os brasileiros e estabeleceu um elo no sofrimento pelas vítimas. Aqui no Brasil, sentimos as perdas como feridas familiares. No caso do suicídio, a empatia pode salvar vidas. Escutar o desespero do outro sem julgamentos pode ser uma grande fonte de alívio e prevenção, como mostramos nesta série de reportagens sobre pensamentos suicidas.
É também a empatia o elemento que poderia trazer tolerância e aproximação à tumultuada convivência dos brasileiros vista nas redes sociais e também pessoalmente. Comentários violentos e hostilidades na relação com o outro têm dado a tônica em muitas relações, revelando uma série de julgamentos sobre como as pessoas deveriam viver suas vidas. Mensurada por uma pesquisa da Universidade do Estado do Michigan, nos Estados Unidos, a empatia coloca o Brasil na 51ª posição em um ranking que avalia a capacidade de 63 países se colocarem no lugar do outro.
“Nossa sociedade é muito hierarquizada. Uma hierarquia pautada em classes sociais e também na origem, no sobrenome, no capital social, econômico e simbólico. Há uma fragilidade do pertencimento a um grupo sócio-cultural, o que faz com que o indivíduo queira deixar bem clara sua diferenciação”, explica a antropóloga Hilaine Yaccoube ao portal AzMina.
Essa diferenciação, reforçada no comportamento e nas falas, marca um comportamento individualista e se torna um separador entre a pessoa e a sociedade em que vive: ela não é bandida, não é povão, não é corrupta.
Assim como na diferenciação, os movimentos sociais têm gerado barreiras de exclusão ao não gerar a sensação de pertencimento a muitas pessoas, que se sentem de fora do grupo, explica Yaccoube ao AzMina. O diálogo, portanto, fica difícil.
“As pessoas foram se classificando, enxergando suas diferenças e se aglutinando em grupos de luta. Por um lado é bom, pois criou uma série de identidades de resistência. Mas por outro lado, esses grupos vão criando muitas barreiras, que excluem em vez de juntar as pessoas todas.”
Segundo a antropóloga, a dificuldade para o diálogo e para os conflitos derivados dele é outra característica brasileira.
“Nós não lidamos bem com conflito. Conflito não é violência, é dialética, é discordar e discutir, ter embate de ideias. O conflito é saudável e necessário. O problema é que a gente traz tudo para o campo pessoal. Religião, time de futebol, ou qualquer fenômeno social, a gente parte para uma agressão pessoal em vez de sustentar a troca de ideias”.
Outro aspecto bastante comum em nossa sociedade é a nossa tendência à polarização, que implica escolher entre um e outro. É uma obrigação implícita de marcamos posição alinhada com o certo de um, ou com o errado do outro.
Em entrevista ao HuffPost Brasil, o psicanalista João Angelo Fantini, organizador e autor do livro Raízes da Intolerância (EdUfscar, 2014) e professor do Departamento de Psicologia da Ufscar, explica que a saída mais fácil em uma discussão é dizer que o outro está errado e não está vendo a realidade. Isso preserva nosso narcisismo e, de quebra, nos associa a outras pessoas, em grupo:
“Nossas escolhas são narcísicas e, como todo narcisismo, nos agarramos a ele até o fim: admitir que estava errado, que não avaliou bem uma questão, que confiou em um político que se mostrou desonesto, que se enganou na escolha amorosa… São escolhas muito arraigadas.”
O diálogo e, por sua vez, a tolerância, parecem simples quando exercidos em um grupo formado por semelhantes. Difícil é discutir entre diferentes, explica o historiador Leandro Karnal na palestra Tolerância Ativa.
“É fácil ser tolerante com a ideia parecida com a minha. O difícil é ser tolerante com a ideia oposta à minha. É o choque entre polos que não conseguem entender que o outro possa estar correto.”
TEXTO ORIGINAL DE BRASIL POST