Os benzodiazepínicos habitam nossas mesinhas de cabeceira e as nossas bolsas. São pílulas para as dores da vida, a garantia de que a insônia não nos encontrará, de que o monstro da ansiedade permanecerá adormecido. São sofrimentos milagrosamente eliminados por essas drogas prodigiosas, mas por sua vez, viciantes.
No excelente filme “August: Osage County” (Álbum de família, na versão em português), as mulheres geralmente resolvem os seus problemas com pílulas, enquanto os homens o fazem através do álcool. Nele pudemos ver Meryl Streep mostrando magistralmente esta realidade dramática que envolve o consumo regular e descontrolado de benzodiazepínicos, incentivado por alguns médicos que veem nestas drogas um recurso fácil, rápido e econômico para aliviar o sofrimento existencial dos seus pacientes.
“Tratamos a tristeza e o medo com os comprimidos como se fossem doenças. E eles não são.”
– Guillermo Rendueles, psiquiatra
Este filme não deixa de ser uma amostra real do que muitos especialistas estão encontrando hoje em dia: pessoas viciadas em drogas legais prescritas por seus médicos. Os pacientes precisam a cada dia de uma dose maior para se sentirem bem, e há idosos que consomem há décadas a sua pequena “pílula” para dormir e agora veem a sua qualidade de vida comprometida.
Há muitas sombras na composição destes tranquilizantes cuja missão é tornar a nossa vida mais fácil quando as dificuldades, sejam reais ou imaginárias, aparecerem. Não há dúvida da sua eficácia a curto prazo, o que é ótimo. No entanto, como sabemos, os processos de ansiedade ou depressão podem ser muito longos e é preciso utilizar o medicamento por muito tempo. Por isso há o risco de dependência e dos sintomas que já conhecemos.
É muito provável que para muitas pessoas, a palavra benzodiazepínicos não represente nada. No entanto, se falarmos de Orfidal, Tranxilium, Lorazepam, Lexotam, Valium ou Trankimazin, a coisa muda. Grande parte da população já tomou algum deles por uma razão específica ou tem, certamente, um membro da família, amigos ou colegas de trabalho que utilizam diariamente.
Mas, o que são realmente os benzodiazepínicos?
Um fato curioso é que os benzodiazepínicos chegaram ao mercado farmacêutico nos anos 60 para substituir os barbitúricos. Desde então, e com o lançamento do conhecido Valium (diazepam), pela empresa farmacêutica ROCHE em 1963, os benzodiazepínicos se tornaram as “drogas” mais consumidas na nossa história.
Os benzodiazepínicos são utilizados para o tratamento de transtorno do pânico, ansiedade generalizada, insônia, abstinência alcoólica, epilepsia, perturbações afetivas, para aliviar a dor cirúrgica, e até mesmo para ajudar na desintoxicação de certas drogas.
Além disso, como revelaram várias pesquisas, especialmente o estudo realizado na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade São Jorge, Zaragoza (Espanha), os benzodiazepínicos são prescritos com mais frequência nas casas de repouso. Um dado relevante que faz com que os especialistas se perguntem ‘se os benefícios clínicos desses medicamentos superam os seus efeitos adversos’.
Por outro lado, devemos destacar que são medicamentos que só podem ser consumidos sob prescrição médica, e embora possam ser combinados com antidepressivos ou antipsicóticos, será sempre um especialista que os prescreverá e irá controlar as doses em todos os momentos.
Os benzodiazepínicos são classificados de acordo com sua meia-vida em nosso corpo. Vamos ver os detalhes.
Os benzodiazepínicos são muito eficazes. Eles nunca falham, nos ajudam a descansar, aliviam esse sofrimento desesperado depois de uma perda afetiva e tornam os nossos dias de trabalho mais suportáveis. Mas tudo na vida tem um preço, e como um deus malvado do panteão grego, nos obriga a fazer um pacto, muitas vezes, impossível. Não devemos continuar o tratamento além de 4 a 6 semanas. Caso contrário, é muito provável que geremos uma dependência.
No entanto, a vida segue sofrida, os problemas pesam, a insônia continua e a ansiedade nos devora. Nós pedimos ajuda ao nosso médico e ele, sem mais recursos e estratégias, continua com os medicamentos, nos levando à dependência lenta e devastadora.
Os benzodiazepínicos reduzem significativamente a nossa capacidade para memorizar novas informações. Além disso, o seu uso prolongado interfere nos nossos processos cognitivos: dificulta a concentração, a capacidade de resolver problemas, deduzir informações, relacionar ideias…
Uma “reação paradoxal de um fármaco” é o aparecimento de um resultado oposto ao pretendido. Muitos pacientes, depois de tomar vários meses ou mesmo anos qualquer tipo de benzodiazepínico, apresentam um ou mais dos seguintes sintomas:
Os médicos prescrevem frequentemente os benzodiazepínicos de curta duração para o tratamento da insônia em pessoas com mais de 60 anos. É um procedimento comum e visa melhorar a qualidade do sono, contribuindo para uma melhor qualidade de vida. No entanto, muitos estudos nos alertam para os diferentes riscos associados ao uso prolongado desses medicamentos em idades mais avançadas:
Tudo isso nos leva a uma conclusão muito clara: o uso injustificado a longo prazo desses medicamentos deve ser considerado um problema de saúde pública.
Laura tem 39 anos, dois filhos de 8 e 3 anos de idade, e trabalha em uma empresa de publicidade. É um alto cargo com muitas pressões, metas a cumprir e uma posição firme no mercado. Há dias em que é muito difícil lidar com tudo isso: cumprir o papel de mãe, ser um sucesso criativo e uma mulher que tenta a cada dia controlar o dragão da ansiedade.
Algumas semanas atrás, ela precisou ir ao hospital para superar uma crise de abstinência. Tudo começou com um zumbido nos ouvidos. Ela não conseguia se concentrar em qualquer outra coisa, apenas naqueles zumbidos persistentes. Então veio o formigamento nos braços e pés, a sensação de queimação na boca e uma horrível sensibilidade à luz.
O seu humor mudou, sem mais nem menos. Os seus filhos começaram a ficar com medo dela, e foi nesse momento que o seu mundo desafinou e a vida parou de rimar. Em sua mente, nada se encaixava e queria se esconder, desaparecer, se dissolver no nada.
Quando ela percebeu seu vício pelos benzodiazepínicos, não conseguia acreditar. É muito difícil assumir que é possível desenvolver uma dependência de uma droga prescrita pelos médicos. No entanto, os processos de ansiedade e depressão são longos, e o tempo de consulta muito curto. Nestas circunstâncias, às vezes, é muito difícil controlar a administração de um medicamento.
Laura tentou parar com os medicamentos e percebeu que era impossível, porque os efeitos são devastadores. A vida não é um caminho reto, mas uma longa encosta ziguezagueante, e portanto, muitas vezes a ajuda desta pílula é necessária. Os comprimidos aliviam, acalmam e acomodam. No entanto, a dependência dos benzodiazepínicos é semelhante à heroína, e às vezes não temos outra opção a não ser frequentar um centro de tratamentos avançados para tratar o vício.
Não podemos colocar todo o foco da responsabilidade nos nossos médicos. A organização, o sistemas e as políticas que articulam nossos ambientes não facilitam essa atenção personalizada para um melhor diagnóstico e tratamento. Além disso, fatores como o desemprego, a má qualidade do trabalho, a crise, a pobreza, a solidão ou a má gestão das nossas emoções, muitas vezes acentuam esses vazios onde as drogas atuam como auxiliares, como dissipadoras do sofrimento e proporcionando uma melhor qualidade de vida.
Para concluir, os benzodiazepínicos são eficazes a curto prazo. Além dessa fronteira, onde uma substância química atua como um sedativo, há a necessidade de integrar outras estratégias, outras abordagens para desembaraçar o nó das nossas vidas através da psicoterapia, da vontade pessoal e do apoio real e compreensivo do nosso ambiente social e familiar. Um comprimido nos ajuda, mas a cura está em nossas mãos.
Imagem de capa: Shutterstock/fizkes
TEXTO ORIGINAL DE A MENTE E MARAVILHOSA
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