Fabíola Simões

O segredo das pessoas interessantes

Há alguns dias, maratonei a incrível minissérie “O Gambito da Rainha” na Netflix. São somente sete episódios, o suficiente para me envolver completamente na história de Beth Harmon, uma órfã que, após aprender a jogar xadrez com o zelador do orfanato onde passa a infância, trilha um caminho brilhante de determinação e glória, mas não isento de dificuldades, tombos e superação de traumas. A história se passa nos anos 50 e 60, e acompanhamos a escalada da protagonista dos 8 aos 22 anos de idade, até se tornar campeã de xadrez.

A minissérie foi inspirada no livro homônimo escrito por Walter Tevis em 1983, e me impactou devido ao magnetismo da personagem central. Apesar de carregar uma genialidade incomparável, Beth é uma menina retraída e enigmática. E essa combinação de sucesso e mistério faz dela uma das personagens mais interessantes que eu já tenha visto.

Sobre o fascínio pelo xadrez, Beth diz a um repórter: “É um mundo inteiro de apenas 64 quadrados. Eu me sinto segura nele. E eu posso controlar isso, eu posso dominar isso. E é previsível. Então, se eu me machucar, só tenho a mim mesma para culpar”. E assim somos apresentados ao que é viver uma vida com propósito e paixão. Uma vida interessante.

Pessoas interessantes não ficam tentando provar que são interessantes. Elas descobriram algo muito poderoso – o que lhes causa arrebatamento e faz seus olhos brilharem – e decidiram, com coragem e intensidade, investir nesse propósito com amor, determinação e aperfeiçoamento. Pessoas interessantes são apaixonadas, intensas e sagazes na escolha de seus caminhos, e o magnetismo que emanam nada mais é que o reflexo do fascínio que têm pela própria vida.

Na série, Beth encontra a glória e o caos. Transita entre a genialidade e a tragédia, flerta com o sucesso e o vício. E é, ao mesmo tempo, aquela que repele e atrai.

Pessoas interessantes passam por altos e baixos como todo mundo, mas aprenderam a se priorizar. É muito difícil competir pelo amor que elas têm por si mesmas, e não há algo mais atraente do que alguém que irradia encantamento genuíno pela própria vida, mesmo sendo uma vida imperfeita.

Pessoas interessantes não ciscam pela vida alheia, mas investem naquilo que pode torná-las melhores a cada dia. Não se comparam, mas buscam aprimoramento para serem versões superiores de si mesmas ao longo do tempo. Não se torturam com suas incapacidades, mas empenham-se em aprimorar suas habilidades. Não focam sua energia naquilo que lhes falta, mas canalizam sua impetuosidade para aquilo que pode transbordar.

Beth Harmon tinha tudo para ser a pobre menina órfã, esquisita, inadequada, tímida e fria. Além disso, era viciada em drogas (que eram ministradas no orfanato como calmantes) desde a infância, e sucumbe ao alcoolismo na fase adulta. Porém, mesmo com todas as características difíceis de sua personalidade, ela causa arrebatamento, desejo, curiosidade e paixão. O segredo? Investimento em si mesma. Aprimoramento. Estudo. Dedicação. Intensidade. Uma vida com paixão.

Pessoas interessantes são pessoas apaixonadas. Corajosas o suficiente para lutar por um propósito. Ousadas o bastante para acreditar em si mesmas. Valentes o suficiente para arregaçar as mangas e fazer acontecer. Autoconfiantes a ponto de não desistir diante da primeira dificuldade. Audaciosas o bastante para bancar seus desejos sem se intimidar com as críticas. Bem resolvidas o suficiente para amar a si mesmas e a vida que escolheram – mesmo sendo uma vida imperfeita.

Quanto ao título da série, Gambito é uma jogada tradicional no xadrez, onde o peão acaba sendo sacrificado em prol de uma próxima jogada, no intuito de abrir caminho para movimentos posteriores. Essa analogia não é à toa. Beth, durante a série, abdica de algumas distrações da vida, buscando a consagração no futuro. Da mesma forma, se queremos nos tornar alguém interessante, talvez devêssemos abrir mão das comparações – tão presentes e nocivas no mundo atual – e focar em nosso próprio aprimoramento e evolução como pessoas. Só assim teremos a chance de viver uma vida interessante… 

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Fabíola Simões

Escritora mineira de hábitos simples, é colecionadora de diários, álbuns de fotografia e cartas escritas à mão. Tem memória seletiva, adora dedicatórias em livros, curte marchinhas de carnaval antigas e lamenta não ter tido chance de ir a um show de Renato Russo. Casada há dezessete anos e mãe de um menino que está crescendo rápido demais, Fabíola gosta de café sem açúcar, doce de leite com queijo e livros com frases que merecem ser sublinhadas. “Anos incríveis” está entre suas séries preferidas, e acredita que mais vale uma toalha de mesa repleta de manchas após uma noite feliz do que guardanapos imaculadamente alvejados guardados no fundo de uma gaveta.

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