Liduína Benigno Xavier

O Sentido Psicológico da Expressão ‘Vida Interior’

Empregamos a expressão ‘vida interior’ como sinônimo da palavra espírito, no sentido de manifestação da espiritualidade religiosa. Entretanto, podemos utilizá-la em sentido mais amplo.

Nos dicionários, somente alguns significados da palavra espírito trazem o sentido místico ou religioso. Na conotação mística, espírito pode ser o sopro emanado do poder divino para constituir a alma imortal ou o nome dado às manifestações de substâncias incorpóreas como anjos, demônios, almas e fantasmas.

Entretanto, além do sentido místico, os dicionários também atribuem à palavra espírito, significados filosóficos e psicológicos.

Você deve estar se perguntando: e qual a importância de tomar conhecimento do conceito de vida interior na Filosofia e na Psicologia?

É que, essas abordagens, além de aplicarem a noção de vida interior aos seus conceitos, atribuem a ela, importância fundamental.

Tal valor decorre do impacto da vida interior na forma como vivemos, trabalhamos e interagimos.

Para o filósofo Immanuel Kant, por exemplo, a vida interior é formada pelos conteúdos decorrentes da capacidade de raciocinar. Na sua visão racionalista, ele defende que a vida interior define a disposição diante da vida. Ele diz: ‘o espírito é o que nos vivifica’.

O filósofo empirista John Locke, por sua vez, considera a vida interior um fator preponderante da ação prática. Para ele, o espírito ou vida interior impulsiona a disposição de ânimo para a ação.

Fugindo de conceitos mais carregados de Filosofia, como poderíamos conceituar vida interior no sentido psicológico?

Podemos dizer que a vida interior é a síntese da capacidade de incorporar o mundo e seus conteúdos ao que somos. Ou seja, a vida interior corresponde à totalidade do uso das faculdades psíquicas, emocionais e sensíveis que se expressa na forma como nos apropriamos da realidade e a refletimos na vida.

É por esse motivo que é fundamental interagir com o mundo: agir, contemplar, apreciar (no sentido de analisar e julgar), usufruir e sentir – para construir conteúdos internos que serão filtros, guias e parâmetros da nossa ação.

Em suma, esse conjunto de conteúdos internos apreendidos e elaborados na relação com o mundo compõe a riqueza da nossa vida interior.

E o que podemos fazer para cultivar uma vida interior rica ou, dito de outra forma, como elaborar mais o próprio espírito?

Ora, ficamos mais enriquecidos interiormente quando exercemos faculdades e sentidos para além das funções instintuais, apropriando-nos do mundo com consciência e deliberação.

Há diversos atos e atividades que favorecem o enriquecimento do espírito. Exemplos? Relações que buscam mútua edificação, contemplação da natureza, gozo espiritual, apreciação estética, elevação ética e experiência reflexiva são alguns desses atos.

Mas, há inúmeros outros atos e atitudes que favorecem a elevação da vida interior. Enumeremos alguns: refletir sobre as próprias ações; exercitar a compreensão do próximo; cultivar valores elevados; relacionar-se de forma empática; prestar serviços voluntários; realizar práticas cidadãs; meditar; exercitar o corpo de forma saudável; ficar ao ar livre; apreciar as belezas naturais; participar de movimentos humanitários; viajar para ampliar horizontes existenciais; contemplar os recursos naturais; interagir com a vida animal; apreciar as diversas manifestações artísticas; compreender distintos processos criativos; abrir-se à diversidade; ter experiências multiculturais; desenvolver curiosidade pela cultura gastronômica; abrir-se às novidades tecnológicas.

Há quem considere que, para cultivar o espírito é necessário isolar-se, fechar-se como concha. Sem dúvida, é preciso ter consciência do locus interno pela introspecção, contudo, é na interação que se cultiva vida interior, pois afinal, só há introspecção a partir dos conteúdos extraídos do mundo exterior.

Quanto mais rica é a vida interior de alguém, mais essa pessoa será capaz de confrontar construtivamente a realidade objetiva em toda sua concretude com a realidade subjetiva e seus dramas e complexidade.

Há um ditado que diz: ‘quem tem uma rica vida interior nunca estará sozinho’. E parece mesmo que os que buscam apropriação ativa e consciente do mundo conseguem extrair insights valiosos e aplicá-los com proveito para a saúde emocional.

Imagem de capa: Shutterstock/KieferPix

Liduína Benigno Xavier

Psicóloga, Mestre em Educação, formação em Facilitação de Processos humanos nas organizações, a escritora é consultora organizacional há mais de vinte e cinco anos; É autora do livro: Itinerários da Educação no Banco do Brasil e Co-autora do livro: Didática do Ensino Corporativo - O ensino nas organizações. Mantém o site: BlogdoTriunfo que publica textos autorais voltados ao aperfeiçoamento pessoal dos leitores e propõe reflexões que ajudam o leitor a formar visão mais rica de inquietações impactantes da existência.

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