Categories: Germana Belo

O sofrimento do nosso eu (romântico)

Por Germana Belo

“O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.” – Clarice Lispector

Lançado na Europa em 1774, “Os Sofrimentos do Jovem Werther” conta a história de um aristocrata alemão de temperamento sensível e artístico que, frente à impossibilidade de uma realização amorosa, decide dar fim à própria vida. Após sua primeira publicação, o livro inspirou uma leva de leitores, que se identificaram com o personagem, e atribuiu-se a ele uma onda de suicídios na época. A obra de Goethe inaugurou o romantismo, apresentando um dos conceitos-chave do pensamento romântico – o desejo pelo impossível. O herói romântico sofre com a dor de amar alguém inalcançável; sofre “la douleur exquise”, como dizem os franceses. Seu universo é marcado pela impossibilidade; pela idealização do mundo, do objeto de amor, e depressão por esse ideal não se materializar.

Não à toa, a Psicanálise recorreu às sementes plantadas pelos românticos para pensar o desejo e as contradições humanas. Partindo da ideia de sujeito como um ser marcado por uma falta originária, a teoria psicanalítica mostra como, inevitavelmente, vivemos sempre em busca de um objeto ideal, em um profundo e permanente anseio por algo que possa nos levar a uma experiência de satisfação completa, e como esse objeto, impossível em sua essência, por ser perdido desde sempre, nos faz deparar continuamente com a frustração e o mal-estar próprio do desejo humano.

Assim como o herói romântico, padecemos na impossibilidade do encontro com aquilo que, para nós, se apresentaria como fonte de felicidade e plenitude. O “príncipe encantado”, a casa, o carro, o emprego dos sonhos… A mágica existe apenas na promessa… Pois tão logo a realidade nos presenteia com aquilo que desejamos, a falta se faz presente e um sentimento nos fala “Agora, quero outra coisa”. Mesmo o encontro amoroso que, por um lado, proporciona “um certo apaziguamento ao alimentar a ilusão da completude perdida, por outro lado, implica sempre um efeito de logro, pois basta amar para que o sujeito se reencontre com essa hiância estrutural, como diz Lacan, na medida em que o que falta ao sujeito (amante), o objeto (amado) também não tem.”

Nesse sentido, podemos pensar no herói romântico como um arquétipo do homem moderno na sua relação com o desejo. Um sujeito cujo tormento é desejar o impossível, e que encontra a tragédia não no real do suicídio, mas na morte diária de seus ideais – de eu, de amor, de vida. Um sujeito cuja tragédia é ver seus objetos ideais esvanecerem na luz da possibilidade. Um sujeito cuja tragédia é estar fadado à insatisfação.

Não é surpreendente que a obra de Goethe tenha mobilizado tantos jovens de sua geração, a ponto de gerar com ela uma identificação mórbida. Em alguma medida, os sofrimentos de Werther são os nossos próprios, e “la douleur exquise”, a dor de amar o inalcançável, talvez seja, em suma, a própria do dor do viver.

Germana Belo

Carioca, Psicóloga de formação, roteirista por vocação, paladina das artes e da Psicanálise. Entre um café e outro escreve sobre os assuntos que lhe ocupam a mente e o coração. Recém-saída da zona de conforto, caminha pela vida buscando inspiração, desejando devolvê-la ao mundo.

Share
Published by
Germana Belo
Tags: Sofrimento

Recent Posts

Obra-prima da animação que venceu o Oscar está na Netflix e você precisa assistir

Uma pequena joia do cinema que encanta os olhos e aquece os corações.

9 horas ago

O filme da Netflix que arranca lágrimas e suspiros e te faz ter fé na humanidade

Uma história emocionante sobre família, sobrevivência e os laços inesperados que podem transformar vidas.

10 horas ago

Dicas para controlar os gastos e economizar nas compras

Você ama comprar roupas, mas precisa ter um controle melhor sobre as suas aquisições? Veja…

2 dias ago

Minissérie lindíssima da Netflix com episódios de 30 minutos vai te marcar para sempre

Qualquer um que tenha visto esta minissérie profundamente tocante da Netflix vai concordar que esta…

2 dias ago

Saiba o que é filofobia, a nova tendência de relacionamento que está preocupando os solteiros

Além de ameaçar os relacionamentos, esta condição psicológica também pode impactar profundamente a saúde mental…

2 dias ago

‘Mal posso esperar para ficar cega’; diz portadora de síndrome rara cansada de alucinações

Aos 64 anos, Elaine Macgougan enfrenta alucinações cada vez mais intensas conforme sua visão se…

3 dias ago