Que música te alegra a alma? Você já se viu parado no trânsito, som do carro ligado, quando toca sua música favorita? Justamente no refrão, quando parece que o compositor se voltou para o cerne da sua história para escrever, decodificando em palavras e sons todos os seus jeitos e segredos, e quando você, euforicamente, esperando essa passagem da música para cantar junto, é repentinamente surpreendido pela passagem de um caminhão articulado, pesado, absurdamente ruidoso, que detona sua sensibilidade auditiva, a ponto do refrão passar sem você ter ouvido uma palavra sequer…
Já se viu em uma situação parecida? Pronto! Passou o refrão, acabou a música, e mesmo a tentativa de aumentar o volume foi em vão… Junto com o barulho ensurdecedor do caminhão que passava veio também um balde de água fria que lavou a sua euforia e até a vontade de continuar ouvindo o do carro…
Os ruídos nos descentralizam, quer no momento de ouvir o refrão da nossa música favorita, quer no momento de decidirmos qual o caminho tomar diante das escolhas da vida. Na vida também, por vezes, os ruídos nos tiram a vontade de continuar ouvindo a canção das oportunidades. Acontece que entre ouvir a música favorita no player do carro, e ouvir os sons das possibilidades existenciais há uma diferença substancial: No cotidiano humano não dá pra retroagir, voltar à canção anterior.
Ou você ouve a música no momento em que ela é tocada, mesmo com os barulhos externos e se adequando à realidade sonora possível do momento, ou você é estraçalhado pelas canções seguintes, as quais você nunca desejou ouvir…
Existe mais uma diferença: A música que nos é aprazível sonoramente, pode ser compartilhada. No carro com os demais ocupantes; no som do quarto com má companhia que aprecia comumente a letra… numa apresentação musical, com outras milhares de pessoas entoando a canção em uma só voz. Músicas embalam a vida e são elos de ligações entre as pessoas, povos, nações.
E a música da vida? E a sonoridade da experiência? Essa é de escolha solo. Cada indivíduo possuí consigo uma trajetória de sons e tons que não cabem a nenhum outro exemplar da espécie humana. Ouvir o som da vida é sempre solitário, pois esse som pode ser doce como o ressonar de uma flauta em um repertório de relaxamento, alternando por vezes, em grave rufar de tambor nos momentos tensos de Ópera da vida cotidiana…
O psicólogo e cientista Carl Roges (1902-1987) concluiu em sua vasta trajetória enquanto terapeuta que " (…) a solidão aproxima-se do desespero quando uma pessoa dá a si própria a possibilidade de tomar consciência de que o sentido da vida não está e nem pode estar na relação da sua fachada exterior com a realidade externa (…);
A solidão na pista de dança da vida é desesperadora quando se olha para os lados, e percebe-se que a música que está tocando e que todos à volta estão dançando não possui letra, ou se possui, a letra é incompatível com os próprios valores pessoais. Essa solidão se equipara a de um apreciador de música clássica, quando erra o endereço do espetáculo e entra enganado em um festival de música eletrônica, por exemplo. Neste caso, na pista de dança há sempre duas opções: Dissimular e fingir que o repertório musical agrada sua alma, ou deixar o recinto imediatamente, antes que o barulho ruidoso perturbe sua paz…
Podemos enganar uma multidão com o balançar do corpo, da expressão corporal, quando uma música não nos agrada, mas não podemos enganar nossa própria essência, pois a música desagradável aos ouvidos envenena a alma, altera o humor e dá dor de cabeça.
Quando a boa musicalidade da vida toca, ela só toca para nós, e só toca aquilo que nos agrada. Os ouvidos da percepção necessitam estar afiados para recepcioná-la, mesmo que o barulho dos percalços teimem em ressonar mais alto. Na vida, quando a música ruim chega até nós, apenas nós mesmos temos que dar conta de ouvir e não enlouquecer ao som daquilo que não nos favorece, contudo, quando toca ;a nossa música; apenas nós somos responsáveis por nos apropriarmos dela, nos mantermos firmes a cada nota, a cada refrão, pois nem sempre ela vai ecoar no momento de silêncio existencial, e por vezes será reproduzida em contextos de barulhos externos, contudo, cabe a nós o exercício da concentração, do foco, para que cada palavra, cada instrumento seja ouvido, sentido, pois ela pode não tocar outra vez…
Se faz necessário se conscientizar da carapaça exterior; do embalo do corpo diante das baladas que tocam no universo do qual participamos, mas que não contam nossa história, pois quando os autos falantes da vida ecoarem a música que redefine a nossa essência e nos transporta para um nível mais elevado de experiência, devemos estar aptos a ouví-la, superpovoados de nós mesmos, e mesmo só, consciente de que aquela canção é a trilha sonora mais adequada para contar a história de nossa trajetória sobre o mundo, independente de quantas frotas de caminhões super ruidosos estão transitando a nos embaralhar o belo dom da audição, independente de qual música está tocando à multidão naquele momento …
A vida continua e a música não pode parar…