Por Flávio Gikovate
Experimentamos uma sensação dolorosa de humilhação quando a pessoa que está nos interessando não dá sinais de ter achado tanta graça em nós quanto nós nela; ou então não se mostra tão disponível por estar vivenciando algum outro vínculo amoroso. Mais grave ainda é a sensação de rejeição, quebra do elo amoroso associado à humilhação – ofensa grave à vaidade – quando se é abandonado e “trocado” por outra pessoa. Surge, em boa parte das criaturas, o desejo de reaver aquela relação a qualquer custo. As pessoas gostam de dizer que estão lutando para reaver o parceiro amado. Porém, penso que se trata de algo bastante diferente: o resgate do vínculo corresponderia a uma espécie de vitória sobre eventuais rivais e, em certo sentido, o fim da sensação de humilhação.
A luta para tentar reaver o parceiro “amado” aparece, para muitos, como uma causa justa e nobre em nome da qual vale tudo. O amor justifica que o rejeitado se humilhe e pressione com todas as forças aquele que quis se separar, valendo-se inclusive de mentiras e chantagens sentimentais de todo o tipo. Ouço essas histórias com bastante frequência e sempre me fica a clara sensação de que o amor, esse apego por aquela pessoa que nos provoca aconchego, pode até existir, mas não é a força motriz principal de todas essas ações. Elas parecem, mais que tudo, determinadas pela vaidade, o anseio de sair como vencedor e de se livrar da dor derivada da humilhação de ter sido abandonado.
Quando se luta para reconquistar o parceiro, o amor aparece como o sentimento que estaria dando dignidade a condutas moralmente duvidosas. Quem ama cuida do amado, quer o melhor para ele e não o obriga a fazer ou agir de uma forma contrária à sua vontade. Quem ama de verdade não acha que esse sentimento justifica todo e qualquer ato. Não acha que é válido lutar por amor, entendendo-se por “lutar” o esforço de fazer prevalecer a própria vontade de manter o vínculo quando não é essa a disposição daquele que supostamente é o amado. A única luta válida por amor é aquela ligada ao empenho de preservar o relacionamento através de cuidados, paparicos e todo o tipo de dedicação possível ao amado; e tudo isso na vigência do namoro – e com a devida anuência do namorado.
Aqueles que se acham no direito de lutar para reaver o elo que se rompeu são justamente os que lidam mal com frustrações e dores psíquicas em geral. É fato que a dor de amor é muito intensa e a ela dedicaremos um espaço maior quando tratarmos das rupturas amorosas. O mais importante aqui é registrar de modo enfático que aqueles que acham válido lutar por amor quando são abandonados costumam ser os que cuidam mal do relacionamento durante sua vigência. Não é raro que sejam pessoas mais egoístas, menos capazes de amar e mais competentes para reivindicar, cobrar e exigir atenção e carinho do que para se dedicar ao parceiro.
A palavra “cobrar” é uma das que mais provoca minha indignação. Não creio que tenhamos o direito de cobrar nada de ninguém, muito menos de nossos parceiros sentimentais. É claro que todos temos expectativas em relação às pessoas com as quais convivemos: esperamos algum tipo de cuidado, atenção, carinho. Porém, isso não nos autoriza a exigir que eles satisfaçam nossos desejos; eles deveriam estar bem informados de tudo o que gostaríamos de receber. Se não estão dispostos a dar, quem está com problema somos nós, pois teremos que decidir se aceitamos essa situação ou se tomamos algum tipo de atitude, que pode variar desde pararmos de nos dedicar tanto até a ruptura do relacionamento – isso na dependência da natureza de cada um e também do estado geral em que se encontra aquele dado elo amoroso.
Não deixa de ser curioso observar que pessoas orgulhosas, que gostam tanto de falar bem de si mesmas, são as que mais se humilham com o intuito de reaver um elo sentimental perdido. Por vaidade, buscando a vitória final, se colocam como pedintes, mostrando fraquezas que adoram esconder, demonstrando afetos que nunca se manifestaram e arrependimentos que nunca tiveram. Aqueles mais rigorosos moralmente vão até um certo ponto em seus pedidos de reconsideração da decisão de abandono do parceiro; porém, não se humilham com o intuito de tentar neutralizar seus desconfortos. Sabem que não é legítimo lutar por amor; ou lutar para reaver o parceiro em nome do amor que sentem.
(Trecho do livro “Para Ser Feliz no Amor – Os vínculos afetivos hoje”, p.29-32)
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