Por Carolina García para o EL PAÍS
“Se você tivesse que me falar de um invento que gostaria que não existisse, qual seria?”, perguntou Jen Adams Beason dias atrás a seus alunos. Todos responderam. Mas um deles chamou a atenção da professora. Um menino do ensino fundamental (entre sete e oito anos) respondeu à pergunta da seguinte maneira: “Se tivesse que falar de qual invenção não gosto, a resposta seria: o celular dos meus pais porque estão todo o dia com ele. Às vezes ter um é um hábito muito ruim”.
Ele não foi o único que teve essa ideia: quatro estudantes dos 21 que estão na mesma classe sugeriram o mesmo. A resposta impressionou a professora –que vive no Estado norte-americano da Louisiana, segundo a BBC– e ela decidiu postá-la no Facebook, onde obteve cerca de 14.000 curtidas e mais de 250.000 compartilhamentos. As hashtags que Beason usou quando colocou o conteúdo na rede social foram #getoffyourphone y #listentoyourkids (#desligueseutelefone e #escuteseusfilhos, na tradução ao português).
Entre outras razões está a falta de conciliação porque embora em muitos empregos seja possível antes, a jornada de trabalho continua, ou simplesmente pelo hábito de usá-los constantemente. Olhamos o celular, o email, o Twitter, relegando o tempo de qualidade ou a oportunidade que temos de ter tempo de qualidade com nossos filhos. Quanto a isso, nosso pequeno aluno acrescentava em sua carta: “Odeio o celular de minha mãe e gostaria que ela não tivesse um. É a invenção que menos gosto”. Resumindo, o menino acha que a pior invenção é o celular da mãe porque ela o usa o tempo todo. “Eu o odeio”, deixa claro na resposta.
Entre os comentários que o post de Beacon recebeu no Facebook cabe destacar: “Bom… Veja o que sai da boca das crianças, somos todos culpados”; “Também sou culpada (…) logo serão adolescentes e se transformam em nós, tão maus como nós porque é o que viram” ou “No nosso caso, abrimos um debate na sala de aula e todos responderam que os pais passavam mais tempo no Facebook do que falando com os filhos. Foi algo revelador para mim”. Pais ou professores perfaziam a maioria dos que deram opinião sobre o uso excessivo dos celulares.
Estudos sobre essa questão têm interessado muito os pesquisadores que há alguns anos avaliam causas, consequências e a percepção dos mais pequenos em relação a essa realidade. Uma realidade que afeta muitas vezes sua autoestima, por se sentirem ignorados, e até seu desenvolvimento e crescimento.
Já em 2016 um estudo publicado na revista científica Current Biology concluía que “o fato de os pais estarem focados no seu telefone ou se distraírem com ele quando brincam com os filhos poderia afetar as crianças no desenvolvimento de sua capacidade de atenção”. Outros citam a autoestima como a característica mais afetada. Um deles, publicado em 2014, constatou que “infelizmente, os pais que se distraem com seus dispositivos dificilmente estão sintonizados com filhos. Podem nem perceber o efeito nocivo ao ignorar as emoções de seus filhos e até podem estar prejudicando a autoestima da criança”.
Em 2017, a rede ABC na Austrália realizou uma maravilhosa reportagem em que entrevistava várias crianças sobre como e quanto seus pais usavam os celulares em casa. Entre as respostas cabe mencionar: “Eu me irrito quando usa”, “Quando meu pai está usando o celular e tento falar com ele, simplesmente me ignora” ou “Ele é folgado, e sempre está com preguiça na poltrona com seu telefone”. Sem dúvida esta reportagem mostrou a realidade de algumas famílias, e não é bonita.
Um último estudo constatou que nos Estados Unidos, por exemplo, 50% dos pais entrevistados descobriram que o uso da tecnologia afetava a interação com os filhos três ou mais vezes por dia, um fenômeno chamado por alguns de “tecnoindiferença”.
O que demonstram essas pesquisas, e muitas outras que foram realizadas, é que algumas crianças percebem indiferença por parte dos pais quando eles estão usando seus celulares. E fica evidente que a culpa não é tanto da tecnologia, mas nossa, dos pais, de como a usamos quando estamos com eles. E eles sofrem.
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