Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia, sem estar verdadeiramente comigo, sem prestar atenção no que falo, sem se importar com o que sinto, sem sensibilidade para perceber quando quero chorar e sem graça para rir junto comigo.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer um abraço, daqueles bem apertados que estralam os ossos e nos deixam seguros. Odeio ter conversas rasas com pessoas que falam sempre as mesmas coisas, que não conseguem ser profundas e têm medo de expor as suas dores.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer um olhar sincero, daqueles tipo isca no anzol da alma. Odeio ter que estar com pessoas que não conseguem olhar nos meus olhos e ficam sempre a procurar um outro horizonte, como se o que eu dissesse não fizesse o menor sentido.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer inquietação, sem provocar a minha curiosidade, a minha fome em saber mais, o meu desejo de devorar tudo de forma antropofágica.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer sua nudez, suas dores mais profundas, escondidas nos cantos longínquos da alma, as frustrações que angustiam e esmagam o peito, as feridas das quedas que tivera tentando subir a montanha.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer sua loucura, suas alegrias mais simples, seus desejos mais profundos, seus sonhos impossíveis, seus pequenos pecados, seus segredos mais ocultos, seus momentos de maior felicidades, suas piadas menos engraçadas.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer uma canção espontânea, sem me oferecer uma boa dose de existencialismo para que possamos divagar sobre o tempo, sobre o sentido da vida, sobre os homens, sobre o amor, sobre Deus.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer seu ouvido para que eu saiba que existe alguém disposto a me escutar, disposto a me entender, disposto a sentir a minha dor e gozar com a minha alegria.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer até logo para que eu sinta saudade e nunca perca a vontade de estar junto. Odeio quem chega à minha vida e logo se vai, por vontade própria, como se eu fosse apenas uma ponte para se chegar a um lugar.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer a verdade. A verdade que às vezes assusta e outras tantas machuca. A verdade que precisa ser dita, ainda que se chore. A verdade corajosa que quer ser sincera e não gosta de falar desviando os olhos. Odeio relações de mentira, porque a verdade, mesmo quando dói, é una.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer profundidade, para que eu possa mergulhar sem medo de esbarrar em alguma pedra, para que eu possa dançar na chuva sem medo de pegar um resfriado, para que eu possa sentir a vulnerabilidade inesgotavelmente valente de quem não quer lutar, mas vencer junto.
Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia, sem me fazer sonhador querendo ludibriar o tempo, para que possa esconder memórias tão belas onde Cronos não possa acessar. Quando isso acontece, amo quem me rouba a solidão, que se transforma em unidade, um pássaro encantado, que corta o céu e sob a sombra serena de uma árvore busca repousar.
Imagem de capa: Shutterstock/Antonio Guillem
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