Por Flávia Farhat
A sabedoria popular diz que uma personalidade se forma através de heranças genéticas somadas às experiências mundanas; uma fórmula inexata do tipo X + Y = Z que acaba por desencadear tudo o que somos. Aquele seu gosto por jazz ou o inexplicável repúdio por brócolis. Preto ao invés de branco, sol ao invés de chuva, John Lennon ao invés de Ringo Starr. Todos os sonhos, medos, virtudes e fraquezas. É esse o pacote final que guia nossas ações e nos define como seres humanos singulares – ainda que não para todos os casos isso venha a ser um elogio.
Onde Vivem os Monstros é, entre muitas coisas, uma desconstrução de personalidade. E ainda entre muitas coisas; um filme sobre crianças, mas não para elas. A fábula analógica de Spike Jonze (Adaptação, Quero Ser John Malkovich) tem como trama a infância do pequeno Max, um garoto expressivo e solitário que foge de casa após brigar com a mãe e acaba chegando a uma ilha onde conhece seis estranhas criaturas; os monstros que dão título ao filme. E se ainda havia um fio de esperança de que esta seria uma história doce e colorida, é neste momento em que Jonze dá a martelada final: mesmo em meio a um cenário profundamente fantasioso, o que vagam são metáforas adultas e ansiedades de um mundo real.
Cada um dos monstros – Carol, Alexander, Judith, Ira, Douglas e KW – representa a ampliação de um traço da personalidade de Max; como se sua individualidade fosse desconstruída para que pudéssemos ver os ingredientes que dão forma ao protagonista. Existe um monstro para a personificação do ego, do auto centrismo e do descontrole. Outro para a necessidade de atenção e a falta de carinho. E é assim que vamos sendo apresentados a Max pela segunda vez durante o filme; agora o enxergando como o processo complexo que é a formação do caráter durante a infância.
Onde Vivem os Monstros pode parecer um pouco estranho a princípio; uma primeira impressão erroneamente comum quando falamos de fábulas feitas para o público adulto (O Labirinto do Fauno e Mary e Max estão aí para confirmar). Trata-se, porém, de uma grande história sobre crescimento, autoconhecimento e, principalmente, sobre a coragem de encararmos nossos monstros internos.
E vale ainda uma última reflexão: se você fosse colocado em uma ilha na companhia dos seis traços dominantes de sua personalidade, saberia lidar com eles? Encontre sua própria resposta. Afinal de contas, só você sabe onde vivem seus monstros.
Imagem de capa: Shutterstock/ajlatan
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