“Ouvi da médica: ‘Como uma pessoa gorda como você foi engravidar?’”

Por Maria Clara Vieira

“Olhando para essa foto, resolvi contar um pouco da minha história. Quem me conhece sabe que não sou de expor minha vida em redes sociais. Mas essa imagem tem me tocado. Muitas pessoas do meu convívio me perguntam e querem saber o que é essa ‘bolsa’ e porque uma menina tão jovem precisa disso. Pois bem: há cerca de 3 anos, engravidei do Bernardo. Tive uma gestação de alto risco e fui afastada do trabalho porque a minha pressão oscilava muito. Sempre tive problemas com a balança, mas, durante a gestação, a situação piorou bastante: cheguei a pesar 128 kg.

 

Precisei fazer exames toda semana. Eram remédios e mais remédios. Passei todo o verão dentro de um quarto com ar condicionado por conta do calor e do risco de desenvolver pré-eclâmpsia. As ultrassonografias apontavam que meu bebê nasceria próximo ao dia 15 de junho de 2015. No dia 10, tive a infelicidade de ir à consulta de rotina mas não pude ser atendida porque a minha médica estava doente. Marquei um nova consulta para o dia 17 de junho, mas na madrugado do dia 13, quando acordei para ir ao banheiro, notei que a minha bolsa havia rompido. Foi uma correria. Cheguei ao hospital às 7h da manhã e fui internada. Pediram para meus familiares esperarem do lado de fora. A médica plantonista nem bom dia me deu antes de começar o atendimento, e perguntou: ‘Como uma pessoa gorda como você foi engravidar?’

 

Ali começou a minha tortura. Foram mais de 40 horas ouvindo todo tipo de xingamento. Me deram medicamentos para induzir a dilatação, mas não evoluía. Me colocaram no soro, no banho quente e nada funcionava. Eu não tinha dilatação nem contração. A médica gritava comigo e me mandava abrir as pernas para fazer exame de toque. Eu chorava de tanta dor. Em uma dessas vezes, minha mãe entrou para me ver e eu estava desmaiada de dor na maca. Então, ela implorou para a médica fazer uma cesárea e a resposta dela foi curta e grossa: ‘Eu não faço cesárea em gorda. Ela deveria ter pensado nisso antes de engravidar. Fica tranquila que se eu fizer ou não a cesárea ela vai morrer do mesmo jeito’.

Ao ouvir isso, minha mãe entrou em pânico. Eu continuava desmaiada e não tinha mais forças, pois estava perdendo muito sangue. As enfermeiras não tinham me deixado comer nem tomar água, na esperança de que fosse feita a cesárea. Quando acordei, uma enfermeira me disse que haveria troca de plantão às 19h e que a médica que entraria iria salvar a minha vida, mas que a do bebe não era garantido. Quando a nova médica assumiu o plantão, ela me examinou e disse: ‘Temos 5 minutos para tentar salvar vocês. Você tem 7 cm de dilatação. Ou esse bebe nasce agora ou não temos como fazer mais nada, pois ele está coroado’.

“Vou tentar consertar aqui”

Fomos para a sala de parto. Foi como um veterinário que faz parto de animais. Tive que parir sem contrações e sem dilatação suficiente, apenas usando minha própria força. A médica mandou duas enfermeiras subiram em cima da minha barriga para forçar a saída do bebê [a manobra de Kristeller, considerada uma forma de violência obstétrica]. Eu pari meu filho às 23h40 do dia 15 de junho, com 4 kg. Ali começava a maior batalha da minha vida. Me deixaram vê-lo por 3 segundos e o levaram embora. A médica me olhou e disse: ‘vou tentar consertar aqui e vai ficar tudo bem’.

Foram 36 pontos nesse ‘conserto’. Enquanto ela estava ali comigo, deram leite do banco para o Bernardo, pois a glicemia dele estava muito baixa e ele corria grande risco. Quando aquela noite chegou ao fim, eu agradeci pelo fim do meu tormento.

 

Durante o período no hospital, eu não conseguia me mexer nem levantar. Mas, como eu havia levado 36 pontos, achei que era normal. Tivemos alta, voltamos para casa e pensamos que tudo tinha acabado. Até que eu comecei a evacuar pela vagina involuntariamente. Eu estava tão traumatizada com o parto que não aceitava falar em hospital. Não queria ter que entrar naquele inferno novamente. Comecei a cheirar mal e ficar branca. A minha mãe entrou em desespero. Orei a Deus pedindo que não fosse nada, até que no dia 12 de julho fui ao hospital e tive a confirmação: tinha sim fezes saindo pela vagina. A médico diagnosticou que havia uma fistula reto [uma condição médica em que há uma conexão anormal entre o reto e a vagina].

A médica proctologista me acalmou e disse que no dia seguinte faríamos uma cirurgia de emergência e que eu teria alta em dois dias no máximo. A previsão era que a operação durasse 40 minutos. Mas levaram 6 horas para eu sair do centro cirúrgico. Um dos médicos foi até o meu quarto e me disse: ‘Fiz tudo que podia, porém, havia 12 cm abertos entre seu ânus e a vagina. E o seu útero também estava lacerado. Vamos esperar três dias para ver como fica. Se não cicatrizar, teremos que colocar a bolsa.’

Naquele momento, senti como se um prédio tivesse caído na minha cabeça. Não conseguia acreditar que teria que passar por aquilo. Foram três dias de dores insuportáveis, usando sonda e fralda. Fiquei à base de morfina. Enquanto eu dormia por conta dos sedativos, minha mãe tirava meus seios para fora para amamentar meu bebê.
Bolsa na parede abdominal

No fim do terceiro dia, recebi a notícia de que teria que fazer a ileostomia [criação de um orifício na parede abdominal, por meio de cirurgia, para saída das fezes]. Quando acordei dessa operação, a primeira coisa que fiz foi dar um sorriso e agradecer a Deus por ter me deixado viver. Disse para mim mesma que iria vencer aquilo. Foram 28 dias de internação no total. No dia da alta, eu me lembro como se fosse hoje: a obstetra que tinha feito o meu parto entrou e veio me dizer: ‘Agradece ao Senhor por você sair daqui com teu filho vivo. Ele é teu maior milagre. Onde você for, conte que ele é um milagre’. Aquilo confortou meu coração.

Fomos para casa e a adaptação à bolsa na minha barriga não foi fácil. Foram muitas roupas jogadas foras. Acordei várias noites toda cheia de fezes. Nas noites frias, eu me levantava toda suja e ia para o chuveiro toda machucada, pois meu corpo não havia se adaptado. Foi assim por cerca de 5 meses. A previsão de retirada da bolsa era pra janeiro do ano seguinte (2016). A ansiedade estava forte demais. Eu queria me ver livre o mais rápido possível daquele problema. Até que em uma das consultas de rotina, meu médico disse que eu precisava perder pelo menos 20 kg para poder fazer a cirurgia de retirada da bolsa. Foi então que ele me sugeriu a cirurgia bariátrica. Fui contra, relutei. Tomei remédios para emagrecer, mas a balança era cruel. Foi então que, lendo sobre a redução de estômago, percebi que era a última alternativa que havia me restado. Em outubro de 2016, com 141 kg, tomei a decisão de fazer a operação. Foi um sucesso.

Dois meses depois, em dezembro de 2016, eu e meu esposo descobrimos a coisa mais maluca de nossas vidas: estava grávida novamente. Foi um desespero total, pois não imaginávamos. Meu coração disparou e pensei que seria o fim da minha vida. Como poderia acontecer uma gravidez se eu me cuidava?

Mais um bebê

Sempre sonhamos ter um segundo filho, mas jamais nessas condições. Estava morrendo de medo, então procurei novamente o proctologista e contei sobre a gravidez. Ele me encaminhou para um especialista em gestação de alto risco. Ouvi de muitos médicos que precisaria esperar até a 16ª semanas para saber se o feto sobreviveria. Em um ultrassom de rotina, exatamente na 16ª semana, ouvimos o coração batendo forte. Foi um misto de medo e alegria. O médico contou que era menina.

Foram 34 semanas perdendo peso e tomando vitaminas. Eu não tinha forças para manter meu corpo em pé, mesmo assim não desisti de mim e da minha filha. Ouvi muitas críticas e médicos me dizendo que ela nasceria com problemas por conta do meu estado físico, que ela seria uma prematura e que talvez não sobrevivesse.

Foi preciso agendar uma cesárea com vários especialistas envolvidos, pois era um caso raro uma cesárea com ileostomia pós-bariátrica. Foi assim que no dia 14 de julho de 2017, com 34 semanas de gestação, minha princesa chegou perfeita, cheia de vida e de saúde. Foi tudo perfeito e maravilhoso. Tivemos alta e voltamos para casa: eu, a bebê e a minha ‘bolsa’.
Sigo em frente aguardando as próximas cirurgias. Mesmo que haja dor e sofrimento, sigo feliz por ter a oportunidade de viver e conceber dois filhos lindos e maravilhosos”

TEXTO ORIGINAL DE REVISTA CRESCER






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