Cerca de 80% da população de Salvador (BA) se autodeclara negra e parda, de acordo com os resultados da Pesquisa do IBGE divulgada em maio. E é justamente neste cenário que a iniciativa diferente de um shopping vem vem fazendo sucesso. No último dia 26, o Papai Noel e as noeletes desembarcaram no Center Lapa, e logo a barba branca e a roupa vermelha se destacaram na multidão, mas não somente isso.
“O Papai Noel é negro, gente. Eu nunca tinha visto um Papai Noel da minha cor. Fiquei tão emocionada que parei para fazer uma foto. Eu tinha que fazer”, contou a estudante Érica Vitória, 16 anos, que foi ao shopping com as amigas e disse estar feliz e surpresa com a novidade.
E a novidade não pára or aí, porque desta vez o endereço do ‘bom velhinho’ também mudou. O tema da festa do Center Lapa é Madagascar, na África. A gerente de marketing do shopping, Ivanir Mattos, explica:
“A gente já trabalha o ano inteiro o Selo da Diversidade que é um selo que a prefeitura concede para empresas que combatem o racismo e promovem a diversidade. Isso já acontecia com as noeletes, mas faltava o Papai Noel. Nós vivemos em uma cidade onde a maioria da população é negra, então, ele ser sempre branco não casava com a realidade. O Natal é um momento de reflexão, e essa iniciativa permite que as crianças se vejam representadas nessa imagem mágica que é a do Papai Noel”, afirmou.
Com 1,85 metros e cerca de 90 kg, o aposentado e esbelto Ubirajara Pereira, 66 anos, é quem está dando forma ao ‘bom velhinho’. Ele contou que ficou surpreso com o convite e que está se divertindo com as crianças. Algumas delas aproveitam a hora da foto para puxar a barba e ter certeza que é de verdade. Outras emocionam o idoso.
“O que elas mais pedem é brinquedo. Eu digo para elas fazerem uma cartinha dizendo o que querem de Natal, mas sei que alguns não vão ganhar nada porque a família é muito simples. Isso me emociona. Eu já chorei aqui (no trono). Teve um garotinho que me deu R$ 0,10, e foi embora esperando receber o presente”, contou.
Nesta segunda-feira (28), ele não teve trégua. Durante uma hora, tempo em que a reportagem esteve no shopping, foram tantas crianças que em alguns momentos foi preciso fazer fila. Seu Bira, como é conhecido, era só sorrisos. Posou para fotos, carregou bebês, colocou os maiores sobre os joelhos, sambou, deu tchauzinho para os mais tímidos e gargalhou com os mais extrovertidos.
“Eu sempre tive o sonho de ser Papai Noel, pelo menos uma vez na vida, mas nunca pensei que isso aconteceria um dia. Estou muito feliz porque não houve rejeição. As crianças aceitaram muito naturalmente. O preconceito está na cabeça dos adultos”, disse.
Quem vai levar os filhos para fazer fotos com o ‘bom velhinho’ também não escapa do registro. Ele insiste para que os pais, tios, avós ou padrinhos sentem do lado para sair na imagem.
O administrador Vidal Campos, 47, gostou da brincadeira e até se emocionou. Foi a filha dele, a pequena Sofia, 5, quem enxugou as lágrimas do pai. “A ideia do Papai Noel negro foi brilhante. Ele me representa e representa meus filhos. Pela primeira vez eu sento para tirar uma foto com o Papai Noel, não por ser apenas um Papai Noel, mas por ser um Papai Noel negro. Isso é importante, isso é representatividade”, afirmou.
Bonecas negras e brinquedos manuais fazem parte da rotina do filho Luiz Eduardo, 11, e da pequena Sofia, mas a menina já adiantou o que pediu ao bom velhinho. “Eu quero um skate”, disse.
Além do Papai Noel e da tradicional árvore natalina decorada com a temática da franquia de Madagascar: os personagens Alex, o leão, Glória, a hipopótamo, Marty, a zebra, e a girafa Melman, com mais de três metros de altura, fazem a alegria de crianças e adultos.
Enquanto observa o vai e vem nos corredores, o Papai Noel, com olhos lacrimejados, resiste para não se emocionar com a ingenuidade das crianças, com o tchauzinho da senhorinha que passa alguns metros distante, ou com o abraço dos pais que fazem as fotos dos pequenos. É o Natal da resistência.
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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de Correio 24 horas.
Fotos: Reprodução – Betto Jr/ CORREIO.