O sucesso de uma Análise depende, em grande medida, da relação que o analista tem com a regra de abstinência. Como ele maneja a transferência. Como ele lida com o paciente que é tão humano quanto ele e talvez não seja tão diferente. Analistas que se aferram demais ao silêncio, a uma postura de “espelho”, à técnica são analistas inexperientes ou imaturos. Não consigo imaginar o sucesso de uma Análise se o analista não se coloca por inteiro na relação.
Colocar-se por inteiro, para mim, significa a capacidade de ser empático, de assumir seus erros e limites, de deixar o cliente tocá-lo, sensibilizá-lo, humanizá-lo.
O analista é alguém que, antes, submeteu-se a uma Análise pessoal. Talvez até mais de uma. Por isso conhece, em sua própria pele e em seu próprio inconsciente, o caminho; as dificuldades; os tropeços; as resistências.
Assumir o desejo de ser analista é dizer para si mesmo e para o outro que é capaz de ouvir sem julgar; sem invadir nada; sem normatizar. Que é capaz de uma vez mais surpreender-se. Admirar. Cativar e ser cativado. O amor de transferência, que se estabelece a cada nova Análise, é tão forte e profundo que apenas quem já o experimentou é capaz de aguentar seus céus e seus infernos.
O segredo para facilitar uma Análise não está, portanto, na técnica. Porque, afinal de contas, o sujeito é tão único e singular que cada Análise é diferente e não se parece com nenhuma outra. O analista tem de ser, antes de tudo, gente. Humano. Tem de ter o talento de ajudar o paciente a sentir empatia por ele. O que, logicamente, necessita de sentir ele mesmo empatia. O cliente precisa ser importante para o analista, como tão bem o afirma o excelente terapeuta e escritor Irvin Yalom. O paciente deve mexer conosco; entrar em nosso inconsciente; influenciar nosso modo de ser e de agir terapeuticamente; modificar-nos.
Isso dá medo.
Professores não ensinam isso. Talvez até ensinem o contrário. Daí a necessidade da Análise pessoal e da supervisão. É claro que sei que há linhas e linhas de Análise, e que há analistas que não concordam uma só palavra com o pensamento de Yalom. Mas, se formos atentos na leitura dos casos clínicos de Freud e de como se deu o avanço teórico e clínico desde o pai da Psicanálise até os nossos dias, veremos figuras como Sandor Ferenczi que chegou a apregoar a Análise de mão dupla. E constatar que, às vezes, somos nós que devemos pagar ao nosso paciente a sessão concluída.
Exageros e polêmicas à parte, é certo que um terapeuta empático, que não teme, às vezes, revelar-se, terá muito mais sucesso do que alguém que parece feito de pedra ou de gelo. Mesmo já tendo sido analisado e passado por supervisão, o analista é alguém ainda com sentimentos ambíguos; problemas desta ou daquela ordem; desejos, medos e resistências. Erramos. E, se erramos, o mais correto é assumi-lo para o paciente. Talvez, num ou noutro caso, isso não seja aconselhável, mas, na maioria das vezes, é o único caminho para não emperrarmos a Análise. O inconsciente do paciente não é burro e sabe que erramos. Se pedimos ao paciente para que nos partilhe seus sentimentos mais íntimos, devemos ter a coragem de fazer o mesmo.
Admitir um erro para o paciente é também mostrar a ele que podemos errar. Afinal, não temos de levá-los todos à assunção da castração simbólica? Pois é. Uma das consequências de não sermos fálicos é a capacidade de errar. E de assumir. Além disso, o paciente presenciará uma relação verdadeira. Estará fazendo parte de uma. Não podemos ver a necessidade de terapia como a necessidade de buscar relações autênticas? Cada pessoa que busca a Análise, de uma forma ou de outra, está ferida por relações inautênticas.
Terapeutas experientes sabem da necessidade de estabelecer um vínculo verdadeiro com o cliente, marcado pela veracidade das palavras, pela consideração e pela espontaneidade.
Se acredito que o ser humano é apenas uma máquina necessitando deste ou daquele conserto não serei nem mesmo um analista razoável.
Se minha Análise pessoal me fez ver e escutar o outro estranho em mim – o inconsciente – ela me fez ver e escutar minha própria subjetividade. Ela me capacitou a ver e a escutar a subjetividade do outro que me busca exatamente para vê-lo e escutá-lo, para acompanhá-lo nessa estranha, mas singular e fantástica aventura do autoconhecimento. A Análise certamente deslancha quando o relacionamento entre analista e analisando é espontâneo e dinâmico, em constante crescimento e avaliação mútua.
Como D. W. Winnicott, acredito que a tarefa da Análise é estabelecer um relacionamento que, por si só, será agente de transformação do sintoma e mudança do que é incômodo para nós em algo positivo e aceitável. Por isso o manejo da transferência, por parte do analista, é, na prática, fazer tudo o que estiver a seu alcance para continuar aumentando a “intimidade” e a confiança entre as duas partes. Às vezes, o analista precisará exercer a função materna. Às vezes, a paterna. Outras, mostrar ao paciente a transferência exercida sobre o analista. Muitas outras, calar-se e deixar ver até onde essa mesma transferência leva o paciente para que sua libertação seja real e eficaz.
Não há receitas prontas. A técnica aprendida e constantemente procurada em leituras de casos clínicos e na supervisão, não deve engessar o profissional. Deve ser um instrumento, um recurso que facilite o encontro das partes. A interpretação, a sacada de “insights” também não nos deve iludir. Alguns anos depois, talvez até menos, nenhum cliente lembrará de nossas fabulosas interpretações. Mas, como diz tão bem Freud, ele não se esquecerá do que viveu nesse amor transferencial. Não esquecerá nossos atos. Nossos gestos. Nossa espontaneidade e verdadeira empatia. Claro que o terapeuta iniciante precisa mais da técnica do que o mais experiente. Entretanto, mesmo para o iniciante, é bom não esquecer da necessidade de ser criativo: transcender os limites da técnica e confiar em seu próprio inconsciente.
Vou concluir com alguns exemplos clínicos. Atendi um garoto de 11 anos que, após a separação dos pais, dormia na mesma cama da mãe desde os sete ou oito anos. Entrando para a puberdade, ele percebia, sem querer percebê-lo, seu movimento incestuoso. Já na segunda sessão, conversando com ele sobre seus desenhos, nos quais estava muito claro os sentimentos nocivos, eu lhe disse:
– Você não pode dormir na mesma cama de sua mãe.
– Mas ela quer.
– Está errado. Você sente-se excitado. Isso o deixa transtornado. Você pode ter todas pessoas que quiser, mas não pode ter sua mãe ou seu pai.
Ele calou-se. Eu o deixei em silêncio alguns minutos, depois continuamos outro assunto. Naquela mesma noite, a mãe ligou-me para dizer que o filho tinha chegado estranho. Recusara-se a comer e foi dormir na sua própria cama, dizendo que não queria mais dormir acompanhado. A interdição do incesto que ele não recebera do pai ou da mãe foi-lhe dada por mim de modo espontâneo. Nas sessões seguintes, ele trouxe material novo, todo relacionado às suas relações interpessoais com coleguinhas e amigos, ávido por adentrar no mundo do desejo.
Em determinado momento, ele me olhou e perguntou:
– Você já sentiu alguma vez o que eu senti?
– Desejo pela mãe?
– Sim.
Eu poderia ter devolvido a pergunta ou me calado. Mas preferi ser eu mesmo:
– Já. Como muitos outros. Mas também como aconteceu com você, alguém me disse que isso é proibido. Chama-se incesto. Você já ouviu falar nisso?
– Já.
– Pois é. O incesto é proibido.
Ele respirou aliviado. Trocou de lápis e mudou de assunto. Enquanto eu o observava, pude notar alívio em seu rosto. Ele precisava saber que outras pessoas já tinham sentido o que ele sentira. Talvez intuiu que ninguém o entenderia ou mentiriam para ele. Então, dirigiu-se a mim. Se eu não fosse autêntico, se não me permitisse responder, talvez o corte necessário, o Não do pai, não se fizesse e não o estruturasse.
Outro exemplo.
Um rapaz obsessivo de 19 anos costumava encher-me de perguntas sobre minha vida pessoal, como, aliás, é muito comum entre adolescentes obsessivos. Às vezes, eu me calava. Às vezes, respondia. Agia espontaneamente, segundo meu desejo e não a técnica. Às vezes, eu queria falar-lhe mesmo e falava. Outras, não tinha a menor vontade e não respondia. Queria ser, para ele tão rígido e inflexível, espontâneo e livre. Quando, de algum modo, ele percebeu minha flexibilidade, muitas vezes, quando eu me calava, ele dizia:
– Não é da minha conta. Me desculpe.
Quando respondia, ele me dizia:
– Obrigado.
Ou suspirava profundamente.
Às vezes, sentia vontade de abraçá-lo no final das sessões, por saber que ele tinha sido muito maltratado fisicamente pelos pais. Entretanto, sempre meu coração (não minha razão ou minha técnica) me dizia: não abrace. Eu não o abracei jamais. Entretanto, quando ele teve de mudar-se de cidade, em nosso último encontro, depois de termos avaliado sua Análise e encaminhando-o para um novo terapeuta nessa nova cidade, ele mesmo me pediu:
– Eu queria me despedir de você com um abraço. Posso?
– Sim, claro. Por que não?
Nós nos abraçamos sem constrangimento e nunca mais o vi.
Para concluir: nós, seres humanos, ao tempo em que somos originais e únicos, somos também universais. Pacientes revelam sentimentos que nós temos. Histórias, às vezes, muito parecidas. Ideias. Desejos. Por isso creio que há o momento certo de compartilhar. De transcender a técnica. De recriá-la à imagem e semelhança do paciente. O segredo para o sucesso disso é já ter passado por uma Análise bem sucedida (ou quase, porque tudo é ambíguo, incompleto e relativo – sempre).
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