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Passou? Porque um dia no ano não é suficiente para reconhecer a maternidade

Por Dany Santos

Maio mal põe o pezinho na porta, e os comerciais já enlouquecem os consumidores com mil opções de presentes para o Dia das Mães. Flores, chocolates e eletrodomésticos sempre desfilam entre as sugestões.

No entanto, abraços, beijos e cartões não esconderão as dificuldades diárias que as mães enfrentam, desde a violência no parto à dificuldade de permanecer no trabalho após o fim da licença-maternidade. O Dia das Mães é a segunda melhor data do comércio no Brasil e nos Estados Unidos e só perde para o Natal. Uma data como esta só tem mesmo beneficiado o comércio, porque as mães continuam pagando um alto preço por terem filhos.

Em um país com 5,5 milhões de crianças sem pai no registro, é hipócrita oferecer flores a essas mulheres que cuidam sozinhas de suas crianças a vida inteira e, além de criarem sozinhas seus filhos, correm risco de serem demitidas após o fim da licença-maternidade.

Sobrecarga, solidão e falta de apoio são a realidade da maioria das mães brasileiras, que lutam diariamente para darem conta da responsabilidade imensa que é educar uma criança. Diante dessa responsabilidade solitária, é importante que a sociedadepare de romantizar e endeusar a maternidade. É preciso enxergá-la como ela é: cheia de amor, mas uma função social renegada por todos, mas cobrada e vigiada a todo tempo, com direito a dedos apontados e cobranças inalcançáveis.

Não dá para comemorar uma data sem antes falar que uma em cada quatro brasileiras diz ter sofrido violência obstétrica, nome dado ao “conjunto de atos desrespeitosos, abusos, maus-tratos e negligência contra a mulher e o bebê, antes, durante e depois do parto” (OMS, 2014). É assim que começa a maternidade para muitas: de forma sofrida, desrespeitosa e recheada de violência de todos os tipos.

Esse desrespeito atinge também a escolha de cada mulher sobre a forma como ela deseja dar à luz. De acordo com o estudo Nascer no Brasil, 70% das gestantes desejam ter um parto normal no início da gravidez, mas poucas são respeitadas e apoiadas em sua escolha, e a cesariana é realizada em 52% dos nascimentos na rede pública. Esse número alcança 88% na rede suplementar de saúde enquanto a OMS recomenda apenas 15% de nascimentos sejam realizados via cirurgia.

O sofrimento vivenciado por muitas no parto continua no momento da amamentação. Falta de auxílio e orientação, prescrições de leite artificial desnecessárias dentro da própria maternidade e a publicidade que massacra com seus encantadores comerciais de leites artificiais diversos, que deveriam apenas ser utilizados em casos de real necessidade.

Todos esses fatores contribuem para a trágica taxa brasileira de amamentação: aleitamento materno exclusivo apenas por 54 dias enquanto a OMS recomenda seis meses. Perde o bebê a oportunidade de receber o melhor alimento. Perde a mãe por deixar de se beneficiar da amamentação, já que, segundo estudos, para cada 12 meses de amamentação a mãe reduz 4,3% do risco de desenvolver câncer de mama. Perde a família por deixar de se beneficiar de um alimento completo, perfeito para o bebê e gratuito.

Esse cenário precisa ser encarado como realmente é: não é a mãe a culpada pelo desmame precoce. É a publicidade, o descaso dos profissionais que deveriam orientar de forma correta, a sociedade que vê seios apenas como símbolo sexual e faz que mulheres sintam-se constrangidas e até proibidas de amamentar em público. Não vamos carregar mais essa culpa sozinhas. Vamos dividi-la com todos os envolvidos.

E quem, afinal, vai dividir com as mães o fardo de ser mulher e mãe nesta sociedade? Basta olhar ao redor: universidades sem creches. Eventos para mães sem espaço para crianças. Licença-maternidade que não chega ao tempo recomendado para o aleitamento materno exclusivo. Licença-paternidade que não serve para o real apoio à mãe e ao bebê. Empresas que não contratam mães com filhos pequenos. Cara feia para criança chorando no voo. Passageiro de transporte público que não cede lugar para mulher com criança. Hotel que não aceita crianças. Empregador que demite após o término da licença-maternidade. Restaurantes que proíbem a presença de crianças.

Uma sociedade que explora e massacra mães diariamente não é digna de fazer de conta que um dia de domingo com flores e presentes é suficiente para mascarar o sofrimento materno. Mulheres vivenciam sua maternidade isoladas e sobrecarregadas em seus lares tendo que escolher entre maternar em sua solidão ou vivenciar o mundo sem seus filhos.

A sociedade cobra da mulher filhos amados e bem criados, mas como bem criar um filho sem o apoio necessário, sem ser bem-vinda em inúmeras esferas sociais e tendo que abrir mão da própria autonomia? Apesar de mãe e filho fazerem parte da sociedade, não são aceitos nela. Neste jogo de exclusão, quem paga a conta mais cara é a mãe.

Mãe é mãe, não é mesmo? Mãe aguenta tudo. Aguenta pai que não paga ou atrasa pensão. Pai que não se mexe na madrugada enquanto o bebê acorda oito vezes. Pai que, apesar da guarda compartilhada, pode dar-se ao luxo de não poder estar com o filho no final de semana que é seu porque surgiu um compromisso. Pai que não comparece às festinhas da escola, às consultas pediátricas e nunca assinou a agenda escolar. Mãe guarda toda essa mágoa e esconde o choro no bolso para que o filho não sinta sua tristeza e o peso que ela carrega sozinha. Mãe sorri para o filho, abraça e beija e finge que está tudo bem.

Com o peso do mundo nas costas, ela faz tudo sozinha. Não porque ela é multitarefa ou a Mulher-Maravilha, mas porque há necessidade. Filho não espera. Apesar de desejar profundamente jogar longe a capa de supermãe, ela ainda precisa fazer a comida da criança, arrumar a lancheira, passar o uniforme, buscar na escola, ajudar na lição de casa, fechar os olhos e tentar acalmar-se enquanto seu filho faz uma birra na rua, precisa comprar uma sandália nova porque os pezinhos miúdos estão crescendo e aplaudir o gol que a filha fez no jogo de futebol com um sorriso de orelha à orelha. Mãe é mãe, mas não deveria carregar sozinha a imensa responsabilidade de ter um filho.

Não precisamos de um segundo domingo de maio, desculpem-me os mais emotivos. Essa data é meramente comercial e não passa disso. Não adianta comemorar com um almoço lindo se, no final das contas, são elas – as mães – que terão feito a comida e estarão na cozinha lavando a louça sem ajuda.

Se você acha que estou sendo muito radical ao querer abolir essa data, tudo bem. Venha com flores, mas acorde à noite para ninar o bebê. Venha com chocolate, mas lembre da data do dentista das crianças. Venha com sapatos, mas venha com respeito aos nossos direitos. Venha com joias, mas deixem-nos exercer nosso papel no trabalho em paz. Venha com cartõezinhos, mas deixem-nos parir sem violência. Venha com abraços, mas não ouse nos olhar torto quando estivermos amamentando. Venha com almoço de Dia das Mães, mas lave a louça.

Imagem de capa: Shutterstock/Marharyta Pavliuk

TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST

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