Os caracóis são moluscos lerdos. Andam muito, muito devagar. Ninguém tomaria os caracóis como exemplos. Embora suas conchas sejam belas e construídas com precisão matemática, o que chama a atenção de quem os observa é sua pachorra. Caracóis não tem pressa. Falta-lhes dinamismo, uma virtude essencial àqueles que vivem no mundo moderno. Quem anda devagar fica para trás.
Quem iria imaginar que um educador, ao observar um caracol, tivesse uma inspiração pedagógica? Pois foi o que encontrei numa revista italiana que se dedica a pensar os rumos da escola, Cem Mondialità. A fotografia que ilustra o referido artigo é a de um menino, rosto apoiado na carteira, a observar tranqüilamente um caracol que se arrasta sobre a tampa da carteira. E o título do artigo é “A pedagogia do caracol”. Caracol tem pedagogia a ensinar? O autor conta o sucedido com uma menininha que, ao voltar para a casa, queixou-se à mãe: “Mamãe, os professores dizem ‘É preciso andar rápido, nada de vagareza, para frente, para frente.
Mamãe, onde é a frente?” E aí ele passa a falar sobre a virtude pedagógica da vagareza. Pode ser que “chegar na frente” não seja tão importante assim! Quem sabe o “estar indo” é mais educativo que chegar! No “estar indo” aprende-se um jeito de ser. Nietzsche se ria dos turistas que subiam as montanhas como animais, estúpidos e suados. Não haviam aprendido que há vistas maravilhosas no caminho que sobe… Riobaldo concordaria e acrescentaria: “O real não está nem na saída e nem na chegada; ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” O adágio da Sonata ao Luar tocado “presto” seria um horror. As notas seriam as mesmas. Mas a beleza não se encontra no presto; ela está é na vagareza do “adágio”. Ele aconselha os professores a estarem com seus alunos no ritmo “adágio”.
Sem pressa. A lentidão é uma virtude a ser aprendida num mundo em que a vida é obrigada a correr ao ritmo das máquinas. Gastar tempo conversando com os alunos. Saber sobre as suas vidas, os seus sonhos. Que importa que o programa fique atrasado? A vida é vagarosa. Os processos vitais são vagarosos. Quando a vida se apressa é porque algo está não vai bem. Adrenalina no sangue, o coração disparado em fibrilação, diarréia. Observar as nuvens. Conversar sobre as suas formas. A observação das nuvens faz os pensamentos ficarem tranqüilos. As notícias dos jornais são escritas depressa. Por isso têm curta duração.
Mas a poesia se escreve devagar. Por isso ela não envelhece. É sempre nova. Inventaram essa monstruosidade chamada leitura dinâmica. O que a leitura dinâmica pressupõe é que um texto é feito com poucas idéias centrais, tudo o mais sendo encheção de lingüiça. A técnica da leitura dinâmica é ir direto às ideias centrais desprezando o resto como lixo. Já imaginaram sexo dinâmico, sexo que dispensa os “entretantos” e vai direto ao “finalmente”?
Essa é uma maneira canina de fazer amor. Mas não é isso a que os jovens são obrigados quando, ao se preparar para o vestibular, se põem a ler “resumos” de obras literárias? Um resumo de uma obra literária é o resultado escrito de uma leitura dinâmica. É preciso ler tendo a lesma como modelo… Devagar. Por causa do prazer. O prazer anda devagar. Você leu esse artigo dinamicamente ou lesmicamente?
Imagem de capa: Shutterstock/Azovtsev Maksym
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