Temos vivido dias insólitos desde a pandemia que estarreceu o mundo, deixando um rastro de indagações a respeito de tudo, inclusive sobre liberdade, ou a perda dela, causando alguns desconfortos. Eis a razão da proposta de reflexão, sem excessos de considerações e digressões.

A inspiração nasce lendo alguns textos de José Mujica, ex presidente do Uruguai, em especial para o documentário Human, cuja forma imagética de sua fisionomia e expressão corporal deixam cristalinas marcas de sua capacidade intelectiva e lucidez. Será que vale a pena perdermos tempo de vida para torna-los bens de consumo? Um engodo do luxo e do desperdício do tempo, nas palavras de Mujica. Porquê tudo tem limite, e a natureza também, parece que nos esquecemos disso. Talvez a pandemia tenha vindo como um aviso para nos frear.

“Inventamos uma montanha de consumo supérfluo, e é preciso jogar fora e viver comprando e jogando fora. E o que estamos gastando é tempo de vida. Porque quando eu compro algo, ou você, não compramos com dinheiro, compramos com o tempo de vida que tivemos de gastar para ter esse dinheiro. Mas com esta diferença: a única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta. E é miserável gastar a vida para perder liberdade.”

Será que precisamos de tanto para sermos felizes? Será que nossa felicidade está atrelada ao ganho de bens de consumo em detrimento do tempo de vida…Vida em prol dos que amamos?

“Eu queria dizer…” – Recordas-te de diversos pormenores. Mas mesmo conjuntamente não revelam esta intenção. É como se uma cena tivesse sido fotografada, só ficando visíveis alguns pormenores dispersos: aqui uma mão, ali um traço de um rosto, um chapéu – o resto é escuro. E agora é como se eu soubesse, com toda a certeza, o que é que a fotografia representa. Como se eu fosse capaz de ler o escuro (Wittgenstein, Investigações Filosóficas, p. 635).

Pepe Mujica : “ou você é feliz com pouco, com pouca bagagem, pois a felicidade está dentro de você, ou não consegue nada. E isso não é uma apologia da pobreza, mas da sobriedade”.

Será que esta pandemia não veio para nos lembrar desta preciosa síntese lição de vida ? Que talvez tenha que ser lembrada e aprendida e reverberada de tempos em tempos? Como diria a jornalista Eleonora Santa Rosa.

A bem da verdade que a humanidade se esqueceu do leme, guiada apenas pela força do mercado e da tecnologia, sem consciência social em especial das ciências biológicas, atropeladas pela velha política de consumo e liberalismo sem humanismo.

Neste emaranhado momento histórico imposto pela pandemia, onde a vida ainda é mais frágil que a economia, suas agruras gritarão pelas ruas? Diante do perigo, as pessoas se refugiarão no Estado ? Estarão os regimes autoritários em suas primaveras? Experiência da perda de liberdade e imposição de normas sanitárias. Ou tudo lentamente retoma seu eixo colapsado e o homem escravizado leiloa seu preço a custas de sua ruína ética? Será que haverá quem peça solidariedade econômica com os pobres do mundo? Mujica nos faz pensar. Como será o mundo após o coronavírus.

Não dá para ficar impassível “Frágil Equilíbrio”, documentário dirigido por Guillermo Garcia López, Mujica constrói críticas robustas, ao sistema econômico vigente, tal qual está posto. Com particular ceticismo ao sistema de governo cujo intento é somente se perpetuar no poder. Neste documentário um relato nos acorda para uma triste realidade:

“Comprei um carro para rodar pelas estradas e ir muito longe, mas ainda não rodei, em dois anos, nem dez mil quilômetros. Comprei uma casa, está organizada, mas não tenho tempo de ficar nela”. Conta que dorme duas ou três horas por noite apenas.

“Um amigo meu se matou dia desses. E eu às vezes penso nisso também”, outro comenta.
Algumas cenas filmadas na África em uma comunidade subsaariana, Monte Gurugú, perto da cidade espanhola Melilha, de muros altos , serve para mostrar a discrepância social /econômica de um continente para o outro. Humanos são separados, espancados para que não escalem o muro. E as pessoas do outro lado sonham em alcançarem o “lado da prosperidade”. Sabemos que ao chegarem do outro lado do muro, talvez toda sua alegria se esvairá. “A Europa vai acabar mulata. É uma questão de tempo”, diz Mujica.

Voltando ao cerne da questão. Por onde anda nossa desumanidade? O que temos feito com nosso tempo de vida? A que temos nos dedicado? Em que temos investido?

Existe algo importante a ser considerado: a vida tem um tempo limitado, para cada um.

Não nascemos com uma bússola magica apontando para o caminho que nos trará felicidade. Aliás, há quem passe a vida procurando o tal caminho. Há quem o confunda com aquisições, há quem se perca na confusão com ambos. Fato é que, todos buscam de alguma forma serem felizes, ainda que não se dê conta disso. Mas, descobrimos alguns já tarde outros ainda há tempo, dos equívocos.

Existe o tempo de vida e a vida que se levou. O tempo de cada ciclo, para todas as coisas. Onde restará o que na vida foi construído, material ou em afeto, resumidos nos momentos compartilhado com significados. A vida não se detém aos distraídos, ela flui feito correnteza de rio em direção ao mar. Só você saberá se valeu a pena. E para se considerar:

A vida não se importa com o tempo perdido, com o que não merecedor de sua energia. A vida tem o tempo dela e não seu, ninguém o sabe quando terminará. Ou melhor, seu compasso ou seu descompasso, é preciso aprender e valorizar, cada segundo, sem precisar de tanto, ou demais para se viver. Apenas de cenários amorosos onde o que é valioso e não necessariamente luxuoso existam. Momentos para se recordar….

Laila Ali Wahab Morais

Advogada, psicóloga clínica e escolar

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Laila Ali Wahab Morais
Tags: perdas

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