Crianças devem ser motivadas a ficarem ociosas e entediadas para desenvolverem sua capacidade criativa, afirma uma especialista em educação. Para Teresa Belton, pesquisadora da Universidade East Anglia, na Grã-Bretanha, a expectativa cultural de que as crianças estejam sempre ativas pode minar o desenvolvimento de sua imaginação.
Em seu estudo, Belton ouviu a escritora Meera Syal e o artista plástico Grayson Perry sobre como o tédio os ajudou a desenvolver sua criatividade na infância. Além de escritora e jornalista, Syal é uma famosa comediante na Grã-Bretanha. Perry é hoje um reconhecido artista que faz trabalhos em cerâmica, e suas criações já foram expostas até mesmo no Museu Britânico, em Londres.
Syal disse que o tédio fez com que ela escrevesse, enquanto Perry afirmou que isso era um estado criativo para ele. A pesquisadora ainda entrevistou um grande número de outros escritores, artistas e cientistas, durante sua busca sobre os efeitos do tédio. Ela estudou as memórias da infância de Syal, que cresceu numa pequena vila de mineiros, lugar sem muita coisa para fazer.
Belton disse que “a ausência de coisas para fazer motivou [a escritora Syal] a gastar horas do dia a falar com outras pessoas e a tentar outras atividades que em outras circunstâncias ela jamais teria experimentado, como interagir com os mais velhos e vizinhos e aprender a fazer bolos”.
“Tédio é frequentemente associado a solidão, e Syal gastou horas de sua infância observando pela janela o campo e as florestas, assistindo a mudança do clima e das estações”. “Mas o mais importante foi que o tédio a fez escrever. Ela mantinha um diário desde pequena, que preenchia com observações, pequenas histórias, poemas e críticas. Ela atribui a esta fase seus primeiros passos como a escritora que se tornaria mais tarde”, disse Belton.
Reflexão
Syal, a comediante e escritora, disse que “a solidão imposta como uma página em branco foi um ótimo estímulo”. Já o artista plástico Grayson Perry afirma que o tédio também pode ser benéfico para adultos: “conforme fui envelhecendo, passei a apreciar a reflexão e o tédio. O ócio é um estado muito criativo”.
A neurocientista e especialista em deterioração da mente Suzan Greenfield, que também respondeu a questões para a pesquisa de Belton, relembrou a infância em uma família com muito pouco dinheiro e sem irmãos até os 13 anos de idade. “Ela confortavelmente divertia a si mesma, inventando histórias, desenhando figuras para suas fantasias e indo até a biblioteca”, disse Belton.
Ainda de acordo com Belton, que também é especialista no impacto das emoções no comportamento e aprendizado, o tédio pode ser um “sentimento desconfortável”. Para ela a sociedade “desenvolveu uma expectativa de ser constantemente ocupada e constantemente estimulada”. Mas ela advertiu que a criatividade “envolve ser capaz de desenvolver um estímulo interno”. “A natureza estimula um vácuo que tentamos preencher”, disse ela. “Alguns jovens que não têm a capacidade interior ou a resposta para lidar com o tédio criativamente. Às vezes eles terminam vandalizando abrigos de pontos de ônibus ou saindo inadvertidamente para um passeio de carro”.
Belton, que também já estudou o impacto da televisão e vídeos na escrita das crianças, afirma ainda que “quando os pequenos não têm nada para fazer, eles imediatamente ligam a TV, o computador, o celular ou algum tipo aparelho com tela. O tempo gasto com estas coisas aumentou”. “Mas crianças precisam ter um tempo para parar e pensar, imaginando que eles possuem seus próprios processos de pensamento e assimilação, por meio de experiências com brincadeiras ou apenas observando o mundo ao seu redor”.
Este é o tipo de coisa que estimula a imaginação, ressalta a pesquisadora, enquanto a tela de alguns aparelhos “tende a criar um curto-circuito no processo de desenvolvimento da capacidade criativa”. Syal ainda reforça: “Você começa a escrever porque não há nada para provar, nada a perder e nenhuma outra coisa para fazer”.
“É muito libertador ser criativo por nenhuma outra razão além do próprio passatempo”.
Belton conclui: “Para o bem da criatividade talvez devamos diminuir nosso ritmo e ficar offline de tempos em tempos”.
TEXTO ORIGINAL DE G1