Por Analía Llorente para a BBC
Se você já falou que alguém é inteligente, talvez devesse parar e pensar o que realmente quis dizer com isso – não por associar esse adjetivo a uma pessoa específica, mas pelo próprio conceito de inteligência em si.
É um mito acreditar que a inteligência é algo único e universal, explicam especialistas no tema. Há muitas maneiras de compreendê-la e defini-la, e estudiosos inclusive defendem que a frase “tal pessoa é inteligente” deve ser aposentada.
Mas, afinal, o que é inteligência?
O dicionário Aurélio diz que é a “faculdade de aprender, apreender ou compreender”, uma “agudeza”, “perspicácia” e “destreza mental” ou ainda uma “maneira de interpretar”.
Por isso, quando alguém diz que uma criança é inteligente, por exemplo, está se referindo exclusivamente a uma inteligência lógica, racional e analítica, explica Julián de Zubiría, consultor de educação da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Colômbia. “Esse é apenas um tipo de inteligência”, diz.
De fato, os especialistas em Psicologia não estão todos de acordo com o significado que consta no dicionário. “O conceitos criados são tentativas de explicar e organizar um grupo complexo de fenômenos. Mas nenhum responde a todas as perguntas importantes ou tem um caráter universal”, destaca a Associação Americana de Psicologia no estudo “Inteligência: Conhecimentos e Incógnitas” (Intelligence: Knows and Unknows, no original em inglês).
“De fato, quando se pediu a uma dezena de teóricos que definissem inteligência, eles deram duas dezenas de definições diferentes.”
A psicóloga Susana Urbina, que participou desse estudo, diz que “havia um anseio para definir a inteligência como um conceito que todos entendessem”. “Talvez, no século passado, isso tenha sido possível. Hoje, não é mais assim. Não é um conceito simples”, diz ela.
As inteligências múltiplas
De Zubiría defende que, quando dizemos que uma pessoa é inteligente, estamos cometendo alguns erros. “Primeiro, está falando da inteligência no singular. Isso é um desconhecimento da diversidade de inteligências”, diz o pesquisador, que monitora milhares de crianças com capacidade cognitiva alta como parte de seu trabalho como diretor do Instituto Alberto Merani, sediado em Bogotá.
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Diferentes teorias argumentam que há múltiplos tipos de inteligência. Uma das mais conhecidas é a do psicólogo e pesquisador americano Howard Gardner, que considera haver as inteligências linguística, musical,lógica-matemática, espacial, corporal-cinestésica, interpessoal e naturalista.
Outras teorias ainda mencionam a inteligência emocional, intrapessoal, criativa e colaborativa, entre outras. “A ideia de que havia uma só inteligência conduziu a uma escola dedicada a trabalhar exclusivamente a razão e a lógica”, diz De Zubiría.
O segundo erro, destaca o psicólogo, está no verbo empregado na frase “ser inteligente”. “Não há pessoas que são ou não são inteligentes, mas há pessoas que estão se tornando mais ou menos inteligentes conforme têm mais ou melhores pais, mestres e ambientes ricos culturalmente”, diz.
“Seria preferível dizer o quanto uma pessoa ‘está’ inteligente em vez de ‘é’. Porque, ao dizer ‘é’, você está pressupondo que é uma capacidade estável.”
Urbina, que é especializada em avaliações psicológicas, diz que “a frase ‘é inteligente’ não deveria ser mais usada”. “Uma pessoa não nasce sendo inteligente. Tem condições genéticas e físicas para isso e logo vai adquirindo inteligências. O meio ambiente tem muito a ver com isso”, explica.
No início do século 20, o psicólogo francês Alfred Binet inventou o primeiro teste de inteligência, um exame feito para prever o rendimento escolar de uma criança e diferenciar as mais e menos capazes. Esse tipo de avaliação levou a uma série de outras.
“Infelizmente, nós psicólogos fomos os culpados por ter criado testes de inteligência”, reconhece Urbina, professora da Universidade do Norte da Flórida, nos Estados Unidos. Ela diz que estes testes não são determinantes: “Na verdade, são testes que estimam os diferentes tipos de habilidades que as pessoas têm.”
De Zubiría explica que os testes de inteligência surgiram em 1905, portanto, foram criados com as ideias que prevaleciam na época. “Hoje, a inteligência analítica é diferente do que acreditávamos há um século”, diz.
“Sabemos atualmente que conhecimento não é um bom indicador de inteligência, porque alguém pode não saber muito e ainda assim processar muito bem informações.”
Para o professor, esse tipo de teste deveria ser proibido, porque “acabam discriminando ou supervalorizando uma criança, e seus pais acabam acreditando que ela é muito inteligente porque fez muitos pontos em um teste criado há mais de um século”.
Os especialistas consultados dizem que a inteligência e o sucesso não andam sempre lado a lado. “Se a inteligência analítica não é acompanhada por esforço, trabalho, bons orientadores e bons pais, pode ser sinônimo de fracasso”, diz De Zubiría.
Por sua vez, Urbina defende que há conceitos diferentes sobre o que é sucesso. “Em nossa sociedade, se valoriza muito a riqueza e a inteligência, no sentido de que a acumulação de títulos universitários e postos de trabalho importantes significa que você é inteligente”, diz.
Ambos os especialistas concordam que a inteligência racional e lógica medida pelos testes não é importante na vida. “Essa ajuda em pouquíssimas coisas. Mas as inteligências que você ajuda no mundo concreto, cotidiano, prático, para resolver problemas do dia a dia, são decisivas”, opina De Zubiría.
Para Urbina, a inteligência foi superestimada, porque não é a “única habilidade de uma pessoa”.
“A compaixão, a compreensão, a ternura e a honestidade são valores que podemos colocar à frente da inteligência. Não quero dizer que a inteligência ou os testes não têm valor. Mas também há porque supervalorizá-las.”
Imagem de capa: Shutterstock/Peshkova
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