Texto: Helena Ales Pereira e Sofia Cardoso
Há quem, no Facebook, goste de lançar temas polêmicos. Entre um like e/ou uma opinião mais controlada no mural de um amigo, do que gostam realmente é de criar grupos de discussão que, por vezes, chegam a níveis de agressão verbal e insultos pessoais. Mas, afinal, quem se esconde por trás destas personalidades bélicas? Não precisamos de muito tempo nem de uma pesquisa muito aprofundada para perceber que o Facebook é um local de eleição para comentários polêmicos e discussões acesas online.
Palavras e trocas de mensagens que, muitas vezes, servem apenas para satisfazer necessidades inconscientes de pessoas que, no fundo, “procuram gerir sentimentos de raiva, desgosto, inveja ou ressentimento, desta forma”, analisa Cristina Freire, psicóloga clínica e de saúde. Por vezes, basta um clique para atualizar o nosso feed de notícias do Facebook e nos depararmos com um post mais polêmico que em poucos minutos, gerou mais de uma centena de comentários.
Ainda há pouco tempo, um comentário lançado por um colega jornalista no seu mural, que declarava a sua oposição à ideia de que “os filhos devem ser educados a chamar os pais de mamã e papá, pela carga afetiva que estes diminutivos acarretam, segundo alguns especialistas”, alimentou uma discussão durante um dia inteiro, gerando 260 comentários, alguns deles, com ofensas diretas ao jornalista que defendia que “educar uma criança, a dizer papá e mamã, não é transmitir-lhe valores de afetividade mas, sim, de pieguice e mau gosto”.
Há pessoas que gostam de ter uma voz ativa em determinados assuntos, mais ou menos polêmicos, e de expressar a sua opinião vincadamente, mas há outras que o fazem de uma forma desmedida e, em alguns casos, apenas para “irritar ou mesmo criar conflito”, sublinha ainda. Mas o mais preocupante é que por trás destes comentários ofensivos podem esconder-se “personalidades sádicas, narcísicas e maquiavélicas”, alerta a psicóloga Cristina Freire.
O terreno preferido para o conflito
Quando questionada sobre o que leva as pessoas a fazer comentários negativos e, sobretudo, agressivos, Cristina Freire afirma que o belicismo no Facebook é um fenômeno que está aumentando e que aumenta sempre em momentos de maiores crises financeiras, de valores, de afetos e de falta de esperança. “Estes são alicerces fundamentais para a saúde mental de qualquer sociedade e que, faltando, provocam grande desamparo, deixando uns fragilizados e prontos a aceitar os maus tratos alheios e os que já não tinham boa estrutura e caráter a serem mais mal tratadores, agora numa versão virtual e, por vezes, escondidos no anonimato”, explica a especialista.
Se, por um lado, são as circunstâncias sociais que aumentam a propensão para o belicismo online, o Facebook também reúne as condições ideais que dão asas aos comentários bélicos. Afinal, estamos protegidos pela distância física (e não só) que qualquer rede social permite. Inês Pereira, socióloga, especialista em redes sociais, refere que o quanto deixamos transparecer os sentimentos agressivos também varia, de acordo com a situação social específica. “Se estiver a falando com o meu chefe, evito a agressividade por receio de represálias. Se estiver falando com o meu maior amigo, também tento controlar o belicismo, em nome de tudo o que já passamos juntos”, refere.
“Um meio como o Facebook junta frequentemente pessoas que se conhecem apenas superficialmente ou que nunca se viram pessoalmente, com as quais comunicamos à distância, sem sinais não verbais. A impunidade é maior, os laços emocionais menores e a distância social e geográfica muito maior”, acrescenta ainda a especialista. De acordo com os especialistas, esta guerra online, a que tantas vezes assistimos, remonta a um comportamento antigo offline, o bullying.
A origem da guerra online
Muito mediatizado nos últimos anos, o bullying é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica entre crianças, em meio escolar, e que, mais recentemente, se tem verificado também na idade adulta, em contexto empresarial e que se insere no âmbito das perturbações obsessivo-compulsivas. “As habituais guerras de mensagens, onde proliferam os comentários abusivos, deliberadamente provocadores, simplesmente com a finalidade de irritar, humilhar e destruir o tema ou as pessoas envolvidas inserem-se no comportamento tão antigo quanto a vida em sociedade”, confirma a psicóloga Cristina Freire.
“Nestes casos, há requintes de malvadez e crueldade superiores, pela óbvia cobardia de quem se esconde por detrás de nomes falsos, que poderá alterar sempre que assim o entenda”, acrescenta ainda. Um fenómeno que, para os especialistas, já tem o nome de cyberbullying. Cristina Freire alerta que “o espaço virtual é voluntário. Entrar é uma opção”, diz, recomendando a quem decide entrar neste espaço, estar devidamente informado.
“Devemos ter informação suficiente para nos defendermos dos sites, blogues e outros afins que são alimentados por pessoas ou entidades que trabalham intencionalmente os comentários e opiniões mais polémicos, de modo a gerar uma espécie de certeza da presença dos seguidores”, alerta ainda a especialista.
As motivações e os perigos
Por detrás destes comentários abusivos, podem estar dois tipos de pessoas, de acordo com a psicóloga Cristina Freire. “Aqueles que, sentindo medo e desamparo, precisam projetar, de modo mais ou menos inconsciente, o que está dentro de si para o outro e com isso ficar muito aliviados. Ou há aqueles que têm prazer em irritar, criar conflito, torturar e destruir”, sublinha. No primeiro caso, estamos diante de alguém que procura erradamente satisfazer necessidades que são inconscientes, normalmente, libertar-se de sentimentos negativos (raiva, inveja, ressentimento).
Cristina Freire explica ainda que “o suposto alívio que se sente após ter atacado alguém é puramente ilusório, mas viciante. Ilusório porque não resolvemos as nossas partes más, mandando-as para cima de outros, uma vez que, podendo fazê-lo externamente, nada resolve e até nos inibe de encontrar formas mais saudáveis de gerir a raiva, o desgosto, a inveja, o ressentimento ou qualquer outra dor que nos atinge e atormenta. Viciante, porque alimentar este comportamento cega-nos e como a compensação é de pouca dura, somos levados a repetir, compulsivamente e com maior agressividade, o ataque ao caráter dos outros, quando é de nós que se trata”, diz.
No segundo caso, “já podemos estar perante “patologias da personalidade”, alerta a especialista. Por ocorrerem no meio online, as consequências destes comentários negativos e agressivos podem ser maiores do que aqueles que ocorrem em meios offline, dada a maior amplitude da rede de contactos e devido à rapidez com que a mensagem chega aos destinatários e todos aqueles que assistem à discussão. “Uma pessoa vítima de violência pode virar-se para outros grupos alternativos das suas relações”, alerta a socióloga Inês Pereira.
Por outro lado, acrescenta a especialista, “as consequências sociais e psicológicas destes comentários estão aumentadas pelo caráter viral de grande parte daquilo que se passa nas redes sociais. Uma fotografia ou montagem fotográfica vai chegar a muito mais pessoas e é impossível de apagar completamente, de uma forma mais alargada do que, por exemplo, um boato”.
Como lidar com os comentários abusivos:
1. Denuncie sempre os comentários abusivos. Quem faz este tipo de comentários tem uma personalidade ou motivações que não reagem à lógica, não aceitam ser ignorados e tomam como fraqueza qualquer pedido privado a pedir contenção.
2. Evite pedir contenção nos comentários. Tal pedido pode acirrar mais os abusadores, dando a certeza às personalidades doentes de terem encontrado um público bem-intencionado. Um pedido de contenção pode provocar exactamente o comportamento oposto, o desejo de fazer pior, uma vez que conseguiu uma atenção privilegiada.
Quem são os maus da fita?
As personalidades patológicas que se escondem por detrás dos comentários abusivos:
– Personalidades maquiavélicas: Onde o desejo de manipular e enganar as pessoas impera.
– Personalidades narcísicas: Geridas pelo egoísmo e auto-obsessão.
– Portadores de psicopatias: Pautadas pela ausência de remorso e empatia; é a patologia de personalidade mais perigosa.
– Personalidade sádica: Cujo único intuito é divertirem-se com o sofrimento dos outros e encontram nesta “terra de ninguém”, neste lugar onde se “brinca às escondidas”, o seu palco de atuação privilegiado.
Fonte: Saber Viver- Sapo
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