Por Amanda Mont’Alvão Veloso
Há centenas de anos os meninos são criados para pensar que, para ser homem “de verdade”, é preciso ser durão. A ideia de ter resiliência física para avançar na vida parece ter ganho destaque maior do que a necessidade igualmente importante de resiliência mental.
O artista Grayson Perry resumiu a questão perfeitamente em seu livro mais recente sobre masculinidade, The Descent of Man. Na obra, ele descreve um momento em que passou ao lado de um menino que estava tendo dificuldade para subir uma trilha íngreme na floresta, de bicicleta. O garoto chorava e chamava por seu pai. Ele recusou a ajuda oferecida por Perry. Perry olhou para o pai do menino, que estava a certa distância, com os braços cruzados.
“Ele parecia estar encolerizado, e sua expressão dizia ‘vamos lá, não choramingue, seja homem!’”. E é aí que o problema começa. As cifras mais recentes sobre suicídio do Escritório Nacional de Estatísticas britânico revelam que o número de homens e meninos de 10 a 29 anos que se suicidaram foi de dez em cada 100 mil nos últimos dois anos.
Esse número tinha chegado ao auge em 1998, quando houve 17 suicídios em cada 100 mil homens e meninos dessa faixa etária. Mas o problema real fica claro que os números revelam que o índice de suicídio mais alto no Reino Unido é de homens de 45 a 49 anos. Isso mostra a importância enorme de discutir os problemas que os homens enfrentam e sua saúde mental na infância.
“É na infância e adolescência que a saúde mental se desenvolve e são definidos os padrões que vão se manifestar no futuro”, explica Jo Hardy, gerente de serviços para pais da ONG YoungMinds.
E as estatísticas confirmam essa verdade. Segundo a YoungMinds, metade de todos os problemas de saúde mental que a pessoa apresentará ao longo da vida têm origem antes dos 14 anos de idade, e 50% dos adultos com doenças mentais foram diagnosticados ainda na adolescência, mas 75% não receberam nenhuma assistência.
No último ano a ONG observou um aumento no número de meninos que se automutilam ou apresentam transtornos alimentares. A entidade vem sendo procurada por pais de filhos mais velhos cujos filhos os tratam com violência.
“É crucial promover a resiliência emocional”, diz Jo Hardy. “E é vital começar desde cedo.”
Hardy explica que a sociedade não deve subestimar as pressões enormes enfrentadas pelos meninos hoje. Muitas vezes se imagina que essas questões afetem apenas as meninas. “A fragmentação das famílias, pressões na escola, problemas com imagem corporal, sexualização precoce, atividade nas redes online 24 horas por dia, sete dias por semana, o bullying online e offline e a incerteza quanto ao futuro depois da escola – todos esses fatores elevam o estresse dos meninos”, ela diz.
A escola parece ser uma das grandes razões de tensão. De acordo com a entidade Place2Be, uma ONG que atua com saúde mental de crianças e adolescentes, os meninos têm mais chances que as meninas de procurar o atendimento da organização por estarem preocupados com questões relativas à escola (como uma mudança de escola ou classe).
Mas Fiona Pienaar, diretora de serviços clínicos da Plate2Be, acha que boa parte da pressão se deve ao fato de os meninos sentirem que têm a obrigação de cumprir “um papel estereotípico masculino”. “O conceito de ‘ficar firme e forte’, ‘não chorar’ e ‘dar conta do recado’ frequentemente é associado à masculinidade”, ela diz.
“Isso significa que os meninos, desde cedo, podem hesitar em demonstrar qualquer sinal de que não estejam dando conta de situações, temendo que isso seja visto como sinal de fraqueza.”
A organização descobriu que essa pressão leva meninos a apresentar comportamentos inapropriados, ser desordeiros ou, em alguns casos, isolar-se, em um esforço para administrar suas dificuldades. “É preciso prestar atenção especial às crianças que vão ficando mais caladas. Muitas vezes seus problemas acabam passando despercebidos”, diz Pienaar.
Simon Howarth, assessor de prevenção de suicídio da ONG beneficente PAPYRUS, voltada à prevenção do suicídio entre crianças e adolescentes, diz que meninos ligam para a organização para buscar ajuda com diversos problemas de natureza semelhante. Esses problemas incluem a pressão das provas e as expectativas dos professores e dos pais dos meninos, sentimentos de isolamento por serem vítimas de bullying, dificuldades com amizades e relacionamentos, questões de sexualidade e gênero e, também, ansiedade, depressão e comportamentos de automutilação.
“Muitos garotos e homens jovens sentem-se pressionados e numa armadilha devido à percepção que têm do chamado ‘macho alfa’, do homem como tendo que ser o gênero mais forte”, Howarth explica. “Infelizmente ainda existe um estigma que dificulta para os homens falarem de seus sentimentos, suas esperanças e seus medos, e isso é algo sentido por homens de todas as idades.”
Howarth observa uma tendência preocupante: que apenas 30% das pessoas que telefonam para pedir ajuda se identificam como homens. Ele acredita que muitos garotos podem estar sofrendo em silêncio. “Apesar de estarmos no século 21, o estigma associado à atitude de que ‘meninos não choram’ ainda é perpetuado”, ele explica. “Isso contribui para o número significativo de suicídios de homens de todas as idades.”
“É preciso mostrar aos homens jovens e garantir a eles que pedir ajuda nunca é sinal de fraqueza.”
Entender as raízes dos problemas enfrentados pelos meninos os ajudará a preparar-se melhor para a vida futura. Promoverá sua força mental e identificará áreas nas quais eles podem estar tendo dificuldades.
Mas, explica Howarth, a resiliência mental requer prática e é algo que não se adquire em pouco tempo. “Quanto mais cedo na vida isso é desenvolvido, melhor”, ele diz. “Como qualquer coisa que requer treino, quanto mais cedo começa o aprendizado, mais essa habilidade pode ser desenvolvida.”
Pienaar concorda.
“É importantíssimo ajudarmos os garotos, desde muito pequenos, a ficarem à vontade em expressar seus sentimentos e desenvolver sua resiliência mental”, ela diz.
“Meninos e meninas podem ser diferentes e comunicar-se de modos distintos, mas precisamos incentivar os meninos a buscarem apoio quando sentem que precisam, da maneira na qual ficam mais à vontade.”
Ajudar seu filho a falar abertamente de seus sentimentos é apenas uma das maneiras em que os pais podem ajudar a fomentar sua resiliência mental.
Há muito mais que pode ser feito.
“Uma das maneiras mais importantes em que os pais podem ajudar é servindo de exemplos”, sugere Pienaar. “Isso pode ajudar a reduzir o estigma tão frequentemente associado à expressão dos sentimentos.
“Se os meninos puderem ver, desde pequenos, que procurar ajuda quando precisamos dela não é sinal de fraqueza, é mais provável que se sintam à vontade em fazer o mesmo.
“Compartilhar com seus filhos o que você sentiu e o que você fez para lidar com situações estressantes em sua vida pode ser uma ótima maneira de ajudá-los a desenvolver suas próprias estratégias para lidar com dificuldades.”
Embora seja importante deixar que meninos cometam erros e aprendam com eles, Howarth diz que os pais também devem incentivar seus meninos a serem mais tolerantes com eles próprios nessas situações.
“As crianças frequentemente sentem o peso das expectativas que outros têm a seu respeito. É essencial elogiá-los pelo que fizeram bem, por menor que a coisa possa parecer.
“Incentive-os a enxergar suas próprias qualidades, a reconhecer suas conquistas, a enxergar o que há de bom neles e reconhecer as qualidades que os tornam singulares.
“A resiliência é ganha quando corremos riscos e aprendemos com o que deu certo e o que não deu tão certo, quando aprendemos com a experiência, não com as coisas que alguém nos manda fazer.”
Os pais precisam ser positivos e encorajadores quando conversam com seus filhos sobre os sentimentos destes. Às vezes só é preciso mostrar a eles que vocês estão ali.
“Sejam sinceros em relação a seus próprios sentimentos, também”, recomenda Hardy.
“E simplesmente converse com seu filho. Mesmo crianças muito pequenas podem entender sobre sentimentos e comportamento, se você lhe der a oportunidade de falar sobre isso.”
Os pais podem ajudar seus filhos a encontrar maneiras próprias de se descontrair, desde muito pequenos, quer seja diante da TV ou correndo no quintal.
“Ajude-os a encontrar maneiras positivas de relaxar, e ao mesmo tempo ajude-os a ser assertivos, a expressar-se com clareza”, aconselha Howarth.
“Pedir ajuda é algo que pode ser difícil para meninos e rapazes, mas torna-se mais fácil se eles estiverem acostumados a ser assertivos, a falar do que sentem e do que necessitam.”
Boa alimentação, sono suficiente e atividade física podem ser um primeiro passo positivo, diz Howarth, porque é sabido que esses fatores reduzem o estresse.
Imagem de capa: Shutterstock/Digital Media Pro
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
Imagem de capa: frank mckenna on Unsplash
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