Feridas na área da afetividade são um dos temas que mais rotineiramente aparece no atendimento clínico em Psicologia. De maneira especial, pessoas que já viveram alguns relacionamentos amorosos – que posteriormente foram rompidos – constantemente recorrem ao psicólogo com o seguinte questionamento: “Por que eu não ‘dou certo’ com ninguém?”. Sintomas de ansiedade e depressão comumente acompanham tal questionamento. A prática clínica nos leva a perceber que, grande parte das vezes, alguns mesmos fatores estão presentes na vida e no comportamento das pessoas que acreditam não ter “sorte no amor”. Gostaria de enumerar alguns deles:
Muitas vezes, supervalorizamos os nossos relacionamentos amorosos, elegendo-os como os responsáveis primeiros da nossa felicidade. Por consequência, superestimamos a figura do parceiro e o consideramos como alguém que sempre irá corresponder plenamente aos nossos ideais e expectativas. A “vida real”, porém, não é assim. A nossa felicidade não pode estar condicionada a nenhum relacionamento e a nenhuma pessoa, pois, desta forma, inevitavelmente, iremos nos frustrar e sofrer.
Onde existe convivência humana, existe conflito – e isso não é algo essencialmente negativo. É ruim, porém, negar que a dificuldade e a necessidade de adaptação faz parte de toda relação interpessoal, especialmente, das relações de afeto.
Sob esta visão idealizada da relação, acabamos exigindo do outro muito mais do que ele pode nos oferecer. Instalamos no parceiro o sentimento de que nada do que ele faça estará suficientemente bom. E isto desgasta qualquer convivência.
Construir ideais mais realistas de relacionamento é um passo importante antes de envolver-se afetivamente com alguém, caso contrário, jamais estaremos satisfeitos em qualquer relação e iremos sempre desrespeitar a identidade e o afeto do outro.
Após uma série de rompimentos, o natural seria olhar para si mesmo e se questionar quanto a atitudes e comportamentos que possam ter contribuído com o fim das nossas relações afetivas e, consequentemente, tentar corrigi-las. Infelizmente, muitas pessoas tendem a colocar a responsabilidade sobre os términos totalmente sobre o outro. Surge aí a crença de que ainda não encontramos a pessoa “certa” – aquela que saberá lidar com todas as nossas inconsistências e destemperanças. O outro passa a ser o único responsável pela nossa felicidade e infelicidade e isto não é verdadeiro.
Todos nós temos responsabilidade no desfecho de nossos relacionamentos. E há, certamente, lições valiosas que podemos aprender após um término. Olhar para si mesmo, perceber os próprios limites e excessos, entender que nem todas as nossas atitudes são saudáveis e adaptativas, é fundamental para seguir adiante, para começar uma nova história.
Tendo identificado os próprios limites, faz-se necessário buscar formas de aprender a se relacionar de formas mais positivas. A psicoterapia é um auxílio poderoso nesse processo de autoconhecimento e de desenvolvimento pessoal. Não adianta esperar, de braços cruzados, pelo “príncipe encantado”. Somente após lapidarmos as próprias arestas, estaremos prontos para viver uma história (realista) de amor.
Não é porque alguém nos feriu que todos irão fazê-lo; ou porque tivemos relacionamentos negativos, que todos os outros serão também assim. Marcas de relacionamentos passados têm que ser deixadas para trás. Uma nova história exige de nós uma nova postura, uma renovada esperança.
Há pessoas, no entanto, que carregam, de relacionamento em relacionamento, as “bagagens” negativas do passado. Ciúme exagerado, cobrança obsessiva de atenção e de carinho, ansiedade de separação, insegurança excessiva etc., são alguns comportamentos que devem ser deixados de lado para que se construa um relacionamento satisfatório. É difícil, mas possível, tanto quanto necessário. É “injusto” com o outro jogar sobre ele os pesos que nossas feridas nos deixaram.
Mais uma vez, a psicoterapia pode ser importante aliada na identificação e superação de comportamentos inadequados e de crenças disfuncionais. Conhecer-se é inevitável para conviver com mais espontaneidade e liberdade.
Algumas pessoas depositam tanta expectativa no relacionamento que acabam anulando a si mesmas para mantê-lo. Não é saudável, muito menos, funcional. Relacionamento exige consideração da identidade de cada um dos parceiros. Anular-se a fim de fazer todas as vontades do outro, negligenciar os próprios valores e ideais de vida, evitar comunicar os próprios sentimentos e ideias, só nos faz sofrer.
Ninguém é feliz deixando a si mesmo sempre em segundo plano.
Não vale a pena esforçar-se tanto por um relacionamento que não nos permite sermos nós mesmos. Toda relação que não respeita a identidade e o espaço do outro pouco tem a acrescentar, para ambos os envolvidos.
Outro erro comum é a tentativa constante de tentar anular a identidade do outro, de impor sempre a própria vontade. O amor não é uma imposição, é uma escolha diária, é um “contrato” de reciprocidade.
Toda tentativa de invalidar a identidade alheia é uma violência. Situações de conflito e divergência exigem comunicação e assertividade para serem resolvidas. A relação amorosa só é saudável se é construída sobre o diálogo e a partilha de ideias, de projetos, de valores.
Querer subjugar o outro não é sinal de amor, mas de obsessão. O amor pressupõe a espontaneidade. Somente assim será legítimo, verdadeiro. Na clínica, refletir sobre tais aspectos é uma experiência, por vezes, dolorosa, mas libertadora. Contemplar e resignificar a própria história nos dá a chance de aprendermos a ser mais felizes, de enxergar a vida com mais otimismo e leveza.
É urgente ser feliz sozinho, antes de envolver o outro na própria felicidade; se possuir, antes de se doar. A qualidade dos nossos relacionamentos humanos passa sempre pela qualidade do nosso relacionamento conosco mesmo.
A gente tem que se cuidar mais para poder amar “inteiro”.
Imagem de capa: Shutterstock/kittirat roekburi
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