Por Alain de Botton
Há doces momentos – no início dos relacionamentos – em que uma das pessoas não consegue bem ter coragem de indicar ao outro o quanto gosta dele ou dela. Adorariam pegar em sua mão e encontrar um lugar em sua vida; mas o medo da rejeição é intenso demais, e a pessoa hesita e fraqueja. Nossa cultura tem muita simpatia por esse estágio do amor, tão desajeitado e intensamente vulnerável que é.
É-nos ensinado que sejamos pacientes com as formas esquisitas que as pessoas usam, de início, na tentativa de expressar suas necessidades. Podem ficar ruborizadas ou com a língua presa. Podem também agir de forma sarcástica ou fria, não por indiferença, mas como uma forma de disfarçar um entusiasmo tão poderoso que poderia ser perturbador.
A pressuposição, no entanto, é que o terror da rejeição de alguma forma será limitado, simplesmente por ocorrer em uma fase particular do relacionamento: o início. Uma vez que um parceiro finalmente nos aceite e a união esteja em andamento, a pressuposição é de que o medo deveria acabar. Seria esquisito que as ansiedades continuassem mesmo depois que duas pessoas fizeram algum tipo de compromisso mútuo totalmente explícito, adquiriram uma hipoteca em conjunto, compraram uma casa juntas, fizeram votos, tiveram alguns filhos, e colocaram o nome uma o da outra em seus testamentos.
E ainda assim uma das características mais esquisitas dos relacionamentos é que, no fim das contas, o medo da rejeição nunca acaba. Continua, mesmo nas pessoas completamente sãs, e em termos diários, com algumas consequências devastadoras – principalmente por nos recusarmos a prestar atenção nisso, e por não sermos treinados para identificar os sintomas contraintuitivos desse medo nos outros. Não descobrimos uma forma livre de estigmas para admitir o quanto precisamos de segurança.
Dentro de nossas psiques a aceitação nunca é tomada como garantida, a reciprocidade nunca é certa; sempre é possível que novas ameaças surjam, reais ou imaginadas, perante a integridade do amor. O desencadeador da insegurança pode ser aparentemente minúsculo. Talvez o outro esteja trabalhando mais do que o esperado; ou conversava animado com um estranho em uma festa; ou já faz um tempinho desde a última vez que se fez sexo. Talvez o outro não tenha sido tão acolhedor quando entramos na cozinha. Ou esteja muito quieto na última meia hora.
Mesmo depois de permanecer anos com alguém, ainda pode haver um rodamoinho de medo com relação a pedir uma prova do que queremos. Mas a isso se adiciona uma complicação terrível: agora presumimos que esse tipo de ansiedade não era para existir.
Isso faz com que seja muito difícil reconhecer nossos sentimentos, que dizer então comunicá-los aos outros de formas com alguma chance de nos conformar na compreensão e simpatia que tanto ansiamos. Em vez de pedir por algum conforto de forma carinhosa e apresentar nossos anseios com charme, pelo contrário mascaramos nossas necessidades por trás de alguns comportamentos brutos e simplesmente desconsiderados, o que garante que frustremos nossas necessidades. No contexto dos relacionamentos estabelecidos, quando negamos o medo da rejeição, três sintomas principais tendem a aparecer:
Um: nos distanciamos
Queremos nos aproximar de nossos parceiros, mas nos sentimos tão ansiosos quanto a sermos indesejados que os congelamos lá fora. Dizemos que estamos ocupados, fingimos que nossos pensamentos estão em outras coisas, implicamos que uma necessidade de segurança é a última coisa que passa por nossas cabeças.
Podemos até mesmo trair, o que é uma derradeira estratégia para não se ficar com cara de bobo ao manter o distanciamento – uma tentativa perversa de afirmar que não demandamos o amor do parceiro (pelo qual mal pedimos, reservados que somos). As traições podem se tornar os mais esquisitos elogios; provas ardorosas da indiferença que reservamos, e secretamente dirigimos, para aqueles com quem realmente nos importamos.
Dois: ficamos controladores
Ao sentir que estão nos escapando emocionalmente, respondemos tentando enquadrá-los “administrativamente”. Ficamos indevidamente furiosos com seus atrasos, xingamos por não completarem certas tarefas cotidianas, enchemos constantemente pedindo para que realizem uma tarefa que concordaram em fazer. Tudo isso para não ter que admitir: “estou preocupado que você não se importe comigo…”
Não podemos (acreditamos) forçá-los a serem generosos e carinhosos. Não podemos forçá-los a nos querer (mesmo sem ter perguntado…) Então os tentamos controlar em suas ações. A finalidade não é realmente ficar na posição de mandão o tempo todo, só não podemos admitir nosso terror perante o quanto já nos rendemos ao outro. Um ciclo trágico então se desenrola. Ficamos desagradáveis e estridentes. Para a outra pessoa, parece que não somos mais capazes de amá-la. Ainda assim a verdade é que a amamos: só temos demasiado medo de que não nos ame.
Três: ficamos malvados
Como recurso final, protegemos nossa vulnerabilidade ao denegrir a pessoa que nos escapa. Espezinhamos suas fraquezas e reclamamos de seus defeitos. Tudo para evitar a pergunta que tanto nos perturba: essa pessoa me ama? E ainda assim, se esse comportamento grosseiro e feio pudesse ser realmente compreendido, o que seria revelado não seria rejeição, mas um pedido bem real, ainda que estranhamente distorcido, por carinho.
* * *
A solução para todos estes problemas é normalizar uma imagem nova, mais precisa, do funcionamento emocional: deixar claro o quão saudável e maduro é ser frágil e necessitar constantemente de conforto e segurança.
Sofremos porque a vida adulta postula uma imagem muito robusta de como supostamente operamos. Tenta nos ensinar a ser independentes e invulneráveis num nível implausível. Sugere que pode não ser correto exigir do parceiro que nos mostre que ainda gosta de nós, após sair por apenas algumas horas. Ou quando queremos que nos confortem que não se afastaram de nós – só não prestaram muita atenção em nós durante uma festa e não queriam ir embora quando quisemos.
E ainda assim, é precisamente esse tipo de conforto que constantemente exigimos. Nunca nos saciamos das exigências por aceitação. Não é uma maldição limitada aos fracos e inadequados. A insegurança é, nessa área, um sinal de estar bem. Significa que não nos permitimos tomar os outros como garantidos. Significa que permanecemos suficientemente realistas, verificando para que as coisas não realmente sigam numa direção ruim – e que nos importamos com isso.
Devíamos abrir espaço para momentos normais, pelo menos talvez durante algumas horas, em que nos permitimos não sentir vergonha e podemos legitimamente pedir confirmação. ‘Preciso muito de você; você ainda me quer?’ devia ser a pergunta mais normal de todas. Deveríamos desvincular a admissão de necessidade de quaisquer associações com o termo infeliz e punitivamente machão: “grudento”. Precisamos melhorar no reconhecimento do amor e dos anseios que jazem subentendidos nos momentos mais gélidos, administrativos ou brutos de nosso parceiro e de nós mesmos.
* * *
Nota: esse texto foi originalmente publicado no
Philosophers Mail e traduzido sob autorização.
Alain de Botton
Pensador com uma visão afiada sobre as questões mais urgentes de hoje, escritor de livros e ensaios, fala de educação, notícias, arte, amor, viagens, arquitetura e outros temas essenciais da “filosofia da vida cotidiana”. Também é fundador da School Of Life, escola dedicada a uma nova visão de formação humana.