Por Thais Matos
No meio do caminho, tinha uma crise nervosa. Gastrite corroendo o estômago a ponto de tirar a fome e levar a intensos enjoos, seguidos de vômito. Nessa estrada, prazos curtíssimos se atropelavam com a exigência e o descaso dos mentores. No fim do caminho, tinha um diploma universitário. “Por causa da faculdade, desenvolvi ansiedade e pânico”, declara Ana Batista*, recém-graduada em Relações Internacionais na INPG (Instituto Nacional de Pós-Graduação), em São José dos Campos (SP).
Durante as férias de julho, na cadeira do dentista, Luís Ferreira sentiu os batimentos acelerarem, a respiração ofegante e uma dor no peito. Ele teve certeza de que morreria ali, prestes a tirar o siso. Diante do horror do desconhecido, implorou que o levassem ao hospital temendo uma reação à anestesia. Fez uma bateria de exames e lhe disseram que não tinha nada. Esse é o diagnóstico que se recebe em alguns hospitais quando se sofre um ataque de pânico. A partir de então, a sobrevivência do estudante de engenharia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) fora de casa passou a depender da dose diária de Rivotril.
Ana e Luís fazem parte do número cada vez mais expressivo de estudantes que passam por algum tipo de sofrimento psíquico. Segundo pesquisa divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 2016, 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuraram atendimento psicológico dois anos antes. E mais de 10% fizeram uso de algum medicamento psiquiátrico.
Para Ana, o esgotamento físico era acirrado pela rotina absurdamente intensa em três cidades paulistas. “Eu trabalhava em uma cidade, estudava em outra, fazia TCC, dava aula sábados e dormia em uma terceira cidade. Digo dormir porque passar apenas a madrugada em casa não é morar.”
Ela sofreu sozinha durante os seis anos das duas graduações. Durante o último ano, tomou calmante e remédios para dormir todos os dias. Em seu pior momento, faltou inúmeras vezes por não conseguir levantar da cama. “Ninguém se preocupa com o aluno, ninguém pergunta por que você teve tantas faltas.”
Ana buscou por conta própria a ajuda de um psicólogo. “Nem que eu quisesse procurar alguém dentro da faculdade eu conseguiria muita ajuda. Eles não disponibilizam. Em nenhuma das duas instituições que eu estudei”, conta.
Para Luís, o curso dos sonhos na melhor universidade do Brasil revelou-se uma fonte de hostilidade. Ela vinha de diversas frentes: dos outros estudantes, com trotes pesados e comportamentos preconceituosos; dos professores, ora autoritários ora desinteressados; e do próprio modus operandi do curso. Após passar quase 20 dias estudando sem pausa para uma prova, sua nota foi baixíssima: 1,5 de 10. Com isso, veio o sentimento de incapacidade. “A cobrança era tão alta que eu poderia estudar 20 horas por dia e ainda assim tiraria uma nota ridiculamente baixa”, explica.
Sem amigos ou incentivo, ele desistiu das matérias gradativamente. Se escondia na casa da namorada durante os dias em que deveria estar na faculdade. Sentindo-se sozinho e sem saber como pedir ajuda aos pais, vendeu suas coisas para ir ao psicólogo sem que ninguém soubesse.
Ele não passou nos dois primeiros semestres da universidade. Foi jubilado. “Eu, de fato, não era mais aluno da Unicamp.” Depois disso, teve que contar aos pais o que havia acontecido. Da mãe, teve todo o ombro e a ajuda necessários. Do pai, a rejeição. Não se falaram mais.
Algumas universidades brasileiras têm se mobilizado para que as diretorias olhem com mais cuidado para o problema do sofrimento psíquico e dos transtornos mentais de seus estudantes. Em setembro, a Faculdade de Economia e Administração da USP lançou uma campanha chamada “Isso não é normal”, na qual os alunos anonimamente declararam o que sentiam no ambiente universitário. As respostas relatavam ataques de ansiedade, desmotivação, problemas para dormir, depressão e pânico.
Para o psicólogo Pablo Castanho, professor e coordenador da clínica-escola Durval Marcondes do Instituto de Psicologia da USP, esse quadro não é um fenômeno atual. “Essa demanda de sofrimento psíquico dos alunos de graduação e pós tem chamado bastante atenção na USP e no exterior. Mas há mais de 20 anos eu já atendia pacientes com as mesmas questões.”
O que causa a impressão de aumento no número de casos, segundo Castanho, é a abertura que temos para tratar o assunto hoje em dia. Isso porque as pessoas estão mais atentas para perceber mudanças de comportamento. “Na USP, existe um movimento de professores entrando em contato com o Instituto de Psicologia, preocupados sobre como podem perceber que um aluno está mal”, revela o professor.
Os motivos
Há cinco fatores que podem explicar a ocorrência de sofrimento psíquico e transtorno mental nos estudantes universitários, de acordo com o psicólogo e professor Pablo Castanho. No entanto, nenhum motivo é a causa isolada do problema.
Para o professor, as universidades estão cada vez mais próximas do mercado de trabalho e as cobranças que existem na atividade profissional chegam à universidade. “Isso vulnerabiliza muito a pessoa”, afirma.
Além disso, ocorre uma “competição predatória”, segundo ele a classifica, “inibindo o fairplay”. Os alunos estão o tempo inteiro em competição por bolsas de estudos, vagas de estágio, liderança nas empresas júnior e intercâmbio, por exemplo.
“Em algumas universidades, a média é criada por um critério comparativo. Para um aluno ir bem, outro necessariamente precisa ir mal. Então acontecem coisas como alunos que escondem livros da biblioteca, ou arrancam páginas para que outros não consigam estudar”, conta Castanho.
Para ele, todo o caminho da formação está impregnado por valores profissionais e mercadológicos. “As crianças estão expostas desde cedo, acreditam que têm que ascender rapidamente. Ao mesmo tempo, elas não aprendem a lidar com esse ambiente competitivo e ficam inseguras e vulneráveis para lidar com as cobranças.”
Mas ele alerta que a solução não está na volta ao modelo de universidade de décadas atrás. “Uma coisa é uma relação com o mercado de trabalho, outra é mimetizar as relações sem se dar conta disso. É preciso fazer uma inserção crítica e investir na solidariedade entre os alunos, evitando mecanismos excessivamente competitivos no dia a dia.”
Ao contrário do que se costuma pensar, a pressão da universidade não é a única causa do sofrimento. “Por pior que sejam a pressão pelo resultado, as críticas e ataques aos alunos, e a exposição de estudantes que vão mal, existem estratégias de lidar com isso. O grande problema é a desarticulação dos coletivos.”
Para o psicólogo, com o acirramento da competitividade, o conjunto de alunos perde a força de unidade e não se organiza para enfrentar essa situação ou mesmo se ajudar mutuamente.
O sofrimento psíquico pode estar associado a uma crise do modelo de vida que muitos estudantes levam até chegar a universidades. “Principalmente os que passam em vestibulares concorridos dedicaram boa parte de suas vidas ao estudo para a prova. Depois que eles passam, não sabem se realmente valeu a pena”, explica Pablo Castanho.
Para o professor, é como se os alunos abrissem mão de uma vida equilibrada para buscarem uma posição. Na universidade, “começa a cair a ficha” de todas as privações e sacrifícios que antes pareciam naturais.
Quando se muda de cidade para cursar a graduação, o universitário passa por uma série de mudanças que demandam “rearranjos psíquicos”. Segundo o psicólogo, quando se sai do grupo em que cresceu, perdem-se referências.
“Muitos alunos saem de contextos nos quais são destaque, com ótimos desempenhos, e, quando chegam à universidade, percebem que são na verdade medianos, quando se deparam com outras pessoas de mesmo nível. É aquela história de ser peixe pequeno em aquário grande ou peixe grande em aquário pequeno. Eles passam, então, por uma quebra da autoimagem e isso gera sofrimento.”
Para o psicólogo, o sofrimento é inerente a um intenso período de estudos, como da universidade, mas é preciso tomar cuidado para que esse incômodo não se torne um adoecimento psíquico.
Para isso, é preciso um contraponto, que pode ser encontrado no significado que a carreira tem para o estudante.
“Uma carga de trabalho muito grande na universidade e a privação de sono são extremos que deixam o aluno mais vulnerável. O fato de ter algo estressante ou desprazeroso não é o problema. Se aquilo faz um sentido na vida da pessoa, é mais fácil passar por dificuldade de lidar com aquilo. Se a pessoa está em uma carreira que não faz sentido, não tem como lidar com toda a carga emocional que ela exige”, conclui.
Imagem de capa: Shutterstock/Elnur
TEXTO ORIGINAL DE BRASILPOST
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