Por Rafael Senra
O fascismo é uma prática que, infelizmente, tem se tornado comum no cotidiano de nossa sociedade, e sua marca registrada é a intolerância voraz de alguns grupos sociais contra outros grupos. O que chama a atenção, nesse caso, é porque algumas pessoas supostamente inteligentes compram esse tipo de prática e vestem a camisa do fascismo sem o menor remorso.
É importante definir aqui o que se entende por “inteligência”. Existe uma interessante teoria, relativamente conhecida, elaborada por um psicólogo chamado Howard Gardner, que fala sobre os vários tipos de inteligência. Ele delimitou primeiro sete tipos diferentes de inteligência, e depois ampliou para nove. São elas:
Algumas pessoas desenvolvem mais algumas delas, e outras podem se desenvolver menos, ou ficar quase que atrofiadas.
Em qual inteligência poderíamos encontrar a capacidade de empatia – essa qualidade humana que permite que nos coloquemos no lugar do outro? Dei uma olhada nesse esquema do Gardner para tentar descobrir. Por exemplo: ele se refere a uma inteligência interpessoal, que a princípio seria a mais empática. Mas aí ele diz que ela está presente em… políticos (!?!). Fail.
Inteligentes ou palpiteiros de botequim?
Hoje em dia, é cada vez mais comum vermos pessoas que falam com total segurança sobre assuntos que não dominam. Nada anormal em um país tão repleto de técnicos de futebol. A ironia nessa frase é que não se acha um Tite em qualquer esquina, mas cada palpiteiro de botequim certamente se considera à altura dos técnicos mais capazes.
Em algumas áreas que tenho relativo conhecimento, observo frequentemente algumas pessoas dando palpites que me parecem primários ou completamente equivocados. O que me espanta nesses casos é a segurança que as figuras apresentam diante de assuntos que elas desconhecem drasticamente.
Aí sou obrigado a citar o clichê de Sócrates: quanto mais a pessoa estuda, mais ela sabe que não sabe. E o oposto disso, claro, são as pessoas que tem certeza que sabem sobre assuntos que desconhecem.
Palpiteiros com diploma
Voltando a teoria do Gardner: Porque pessoas que são excelentes, sei lá, na inteligência lógico-matemática, por exemplo, se prestam a dar palpites muito seguros sobre conjuntura política? Será que seus diplomas ou seu status na sociedade supostamente credencia esses tipos como aptos para opinar? Seriam pessoas “estudadas”, “letradas” (inclua aqui seu eufemismo para “jovem Einstein que passou pelo banco de faculdade”)?
Não seria mais adequado considerar que existem várias formas de inteligência? E que não temos obrigação de ser especialistas em tudo? Me parece simplista pensar na inteligência como algo único. “Fulano é inteligente”. Em que? Não importa: se ele é formado, pode opinar.
Seria esta a gênese do fascismo? A autorização que um diploma oferece? Acho que seria reducionista ir por esse lado, afinal, tem gente sem diploma que também é fascista. Não dá para generalizar. O que une o fascismo tanto dos “inteligentes diplomados” quanto “daqueles cujo conhecimento não pôde ser absorvido pelo mercado de trabalho” é a disposição de falar sobre o que não conhecem a fundo.
E muitas vezes, a decisão foi tomada mais pela emoção do que pela razão, e todo o esforço de argumentação da pessoa é para tentar justificar o que ela sente. O fascismo muitas vezes esconde a manifestação de instintos básicos, como o medo, ou a necessidade de segurança.
Mas… medo de que? Melhor: de quem?
A barbárie na sociedade fragmentada
Em momentos de crise como o atual – não só uma crise econômica, mas também crise existencial –, diversos grupos acreditam que outros grupos querem roubar seus privilégios. Aí é que começa a barbárie.
O fascismo começa quando uma pessoa, por mais inteligente que seja, deixa de pensar a partir de uma perspectiva mais ampla – da fraternidade humana – e passa a se identificar com o gueto ao qual pertence. E pior: pensa que seu gueto é o único legítimo em todo o planeta, e o resto é isso mesmo: resto.
Nesses casos, nem sei diferenciar o fascismo do fundamentalismo. Historicamente, esses termos se confundem bastante: o ex-presidente americano George Bush, por exemplo, chamava fundamentalistas islâmicos de fascistas. Nos dois casos, temos grupos que se consideram a última bolacha do pacote e atacam todos os outros biscoitos (porque o certo, para eles, é bolacha, e não biscoito. Quem não concordar, toma bolacha).
O fascismo tem ideologia?
Em tese, o fascismo foi um movimento político nascido no regime italiano do ditador Benito Mussolini, mas seu sentido talvez tenha se tornado menos ortodoxo. Por exemplo: Mussolini perseguia marxistas. Mas será que, hoje em dia, um marxista extremamente fundamentalista e violento com grupos opostos não pode ser considerado um fascista?
Mussolini disse que o fascismo é uma ideologia de direita. Contudo, muitos pensadores enquadram o ditador comunista Stalin como um dos maiores fascistas da história. O fato é que, mesmo no aspecto conceitual, existem fundamentalistas puxando o cabo de guerra para o seu lado.
O futuro diante do fascismo
Acho que o fascismo se dá quando pontos cegos obscurecem parte da inteligência da pessoa. Nesses momentos, o olhar fascista realiza o fenômeno de transformar outro ser humano em mera caricatura. É um processo perverso, fruto de uma espécie de lavagem cerebral. Mas depois de se alimentar diariamente de semanários de ódio midiático ou de rituais culturais de reiteração do preconceito, como essas pessoas poderiam enxergar por trás das máscaras reducionistas e das caricaturas?
Esse talvez seja o maior desafio para o mundo nesse século XXI. Daqui a alguns anos, aqueles dentre nós que ainda estiverem vivos talvez terão melhores respostas.
Imagem de capa: Shutterstock/Pietro Francesco Rizzato
TEXTO ORIGINAL DE OBVIOUS
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