Por Flávio Gikovate, em seu site
Na origem, o dinheiro era um simples intermediador de trocas de mercadorias utilizado para simplificar a transação entre bens de diferentes valores e qualidades. Foi uma ideia excelente e que facilitou muito a vida das pessoas.
Com o passar dos séculos, transformou-se num valor em si mesmo, gerando o gosto, em muitas pessoas, de acumulá-lo; isso com o intuito inicial de se precaver contra qualquer tipo de escassez ou adversidade futura. Possuir uma boa quantidade de reservas passou a ser a meta de muita gente e os que tiveram sucesso nessa empreitada passaram a ser objeto de múltiplas emoções.
Assim, o dinheiro se associou a emoções íntimas e a outras que os mais ricos provocam nas outras criaturas.Perto do quanto se pensa no tema, é curioso observar que se fala pouco sobre o dinheiro. Nesse aspecto, passou a ser algo semelhante a tantos outros assuntos proibidos: transformou-se em assunto tabu, importantíssimo, mas pouco conversado. Falar muito em dinheiro tornou-se “cafona”, daí um certo recato da maioria. Em paralelo, as questões relativas ao tema só aumentaram de importância.
O bacana passou a ser o usufruto das vantagens materiais sem falar sobre valores, como se fosse natural ter acesso aos privilégios que só o dinheiro pode oferecer. Penso que as pessoas só falam sobre suas posses sem constrangimento com seus agentes financeiros.
Do ponto de vista subjetivo, possuir uma boa quantidade de dinheiro pode despertar inúmeras emoções, sendo que as principais são o orgulho, o medo, a vergonha e a culpa. Uns se envaidecem por possuir bastante dinheiro e até gostam de se exibir e buscar o destaque através dele. São pessoas que adoram provocar a admiração e a inveja das outras por essa via, o que costuma ser indício de uma certa futilidade e baixa autoestima.
Outros têm medo de provocar a inveja porque a consideram ameaçadora, capaz de gerar danos e reforçar processos que possam contribuir para atos agressivos contra eles. Muitos têm medo de mostrar sua boa condição financeira porque estarão mais propícios a serem roubados ou a pedidos de empréstimos que jamais serão pagos! Além do mais, os que se beneficiam desses empréstimos tendem a se tornar inimigos, incapazes de gratidão. Isso porque, ao se sentirem por baixo, pedintes, desenvolvem mais que tudo uma forte hostilidade invejosa.
Muitos são os que sentem vergonha de possuírem mais do que seus amigos íntimos ou parentes próximos, de modo que não é raro que escondam deles suas reais condições materiais. A vergonha e a culpa se misturam, de modo que podem até se sentir mal por terem uma condição privilegiada. Não querem magoar e muito menos humilhar aquelas pessoas de quem gostam muito.
O dinheiro vai se tornando um objeto ambivalente: por um lado provoca prazer por permitir acesso a bens especiais, viagens inesquecíveis… por outro, cria constrangimentos e pode dificultar o relacionamento com pessoas importantes do ponto de vista emocional.
A ambivalência é sempre fonte de ansiedade e de certa tensão íntima. É claro que nesses contextos não se fala em dinheiro, pois o medo de magoar impede qualquer conversa mais livre sobre assuntos relativos a custos, ganhos e gastos.
Os que têm pouco dinheiro por comparação com seus amigos e parentes se sentem por baixo e não raramente evitam conversar sobre o tema por vergonha, por não se sentirem à vontade para expor suas limitações nesse item cada vez mais importante da vida. Como regra, sentem-se mal e podem até mesmo evitar a companhia de quem tenha condição financeira melhor. Hoje em dia, em função da fartura de bens que o dinheiro pode comprar e da vontade quase universal de possuí-los, tem se tornado muito difícil o convívio entre pessoas que tenham grandes diferenças de situação material; e isso é uma pena, pois se trata de mais um fator de afastamento e afrouxamento dos importantes elos de amizade.
Alguns, inconformados com suas limitações nessa área, agem de modo leviano e vivem se endividando com o intuito de adquirirem os bens de luxo que tanto admiram; além do usufruto, visam desfilar perante os conhecidos como mais bem-sucedidos do que, de fato, são. É claro que evitam falar de dinheiro, pois teriam que inventar histórias fantasiosas que inevitavelmente desembocariam em contradições.
Não deixa de ser fascinante pensarmos que uma simples e sábia invenção humana acabe por se transformar em algo extremamente complexo e de importância capital, capaz de mobilizar todas as emoções humanas. Afora a saúde, o dinheiro disputa em importância apenas com os assuntos relativos à vida sentimental. A propósito, vale citar uma dessas ironias que contém grande sabedoria, típicas de Nelson Rodrigues: “o dinheiro compra até mesmo o amor verdadeiro!”
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