Conflitos emocionais e sociais relacionados ao corpo são cada vez mais frequentes nos consultórios de psicologia, assim como cada vez mais intensos e com sintomas relevantes. O ser humano em busca de atingir um ideal de beleza recorre a diversos procedimentos estéticos, cirúrgicos, diversas e intensas dietas, medicações e auxílios médicos. Até perceberem (ou alguém perceber por eles) que seu conflito é mais profundo que seu corpo, é mais íntimo que qualquer técnica ou padrão que tenha acessado e aí se dão conta que jamais ficarão satisfeitos, saciados ou tranquilos com sua imagem, corpo e beleza e entendem que talvez seja preciso conhecer, cuidar e lidar com sua estrutura emocional para então amar seu corpo.
Aprendemos sobre nossa existência, nosso valor emocional e social, isto é nossa autoestima, desde muito cedo. Nos primeiros meses de vida, enquanto bebês, não entendemos ainda quem somos e quem é o outro, há certa mistura entre ser e pertencer, na fantasia do bebê, ele e a mãe são um só. Com o passar do tempo, vamos crescendo e geralmente até antes ou muito próximo do primeiro ano o bebê começa se dar conta que ele e sua mãe são seres distintos, o que muitas vezes pode ser uma experiência de separação difícil. E neste momento começamos mais claramente nos dar conta, mesmo que ainda sem estrutura lógica, que somos aquilo que o olhar da mãe, o olhar do meio nos diz que somos.
Como assim, Raquel? O que estou tentando explicar é que nossa primeira ideia de imagem sobre nós mesmos não acontece de fato pelo que vemos e achamos sobre nós, mas sim pelo que os outros veem, dizem e acham de nós. Através de olhares, sorrisos, palavras, tons de voz e gestos, vamos percebendo o que o mundo acha de nós e é em cima desta sensação é que entendemos nossa própria imagem. E é em cima desta imagem que seguimos nossa vida em busca de ideais. E por isso tantas vezes esses ideais não são alcançáveis ou saudáveis, pois são ideais de outras pessoas, épocas e contextos, mas estamos tão misturados que não percebemos.
Ao ouvir ou sentir que somos bonitos, amados, desejados e satisfatórios aos olhares daqueles que nos sustentam, enquanto bebês ou crianças, temos a tendência a nos desenvolver mais seguros e satisfeitos com nossa imagem. Mas quando um bebê/criança sente que não atende os ideais daquele meio em que vive e ouve ou entende que está fora de certo padrão, que deixa a desejar, que deveria fazer mais, comer mais ou fazer menos, comer menos ou mesmo deveria ser como outra pessoa ou ser diferente do que é, acaba aumentando a possibilidade de sentir-se desamparado pelo meio e por si mesmo e assim cresce insatisfeito, inseguro e com sensação de incompletude de si mesmo, podendo assumir uma ideia que está sempre em falta ou em débito consigo e com os olhares que o cercam e não consegue se admirar ou sentir-se admirado, pois não aprendeu a sentir isso antes.
Sim, nos admiramos enquanto pessoas ou enquanto corpo, porque um dia alguém na nossa vida fez isso primeiro por nós. Logo essa história de que você deve se amar, do jeito que é ou ser mais você e não se importar com o que dizem, não é bem assim. Pois se a pessoa não tiver registro emocional suficiente para se sentir seguro em sua existência, não há técnica, palavra, dieta, plástica ou procedimento que faça ela mudar de ideia, na verdade de sensação.
Não há jeito certo para fazer uma pessoa sentir-se amada e valiosa enquanto ela, o ser humano não é um ser que responde a manuais técnicos. Há pessoas que crescem ouvindo o quanto são bonitas e especiais, mas não se sentem assim. Por quê? Cada caso é particular, mas nestes casos, é muito comum estar ligado a palavras vazias e sem sentido. Crianças ouvem o tempo todo o quanto são especiais, mesmo que não estejam fazendo nada demais, isso pode estimular a sensação de que sua existência é vazia e falsa, assim como as palavras que ouvem, pois não sentem o reconhecimento como verdadeiro, logo podem não se sentir bonitas e suficientes mesmo que sejam aos olhos de outros.
Assim como, uma criança pode ser provocada muitas vezes por não estar dentro de certo padrão de peso ou aparência, mas crescer segura e satisfeita por ser quem é, possivelmente porque alguém, em algum momento da vida, conseguiu transmitir a ela a sensação valiosa dela ser ela mesma, através de palavras, gestos e experiências e mesmo que fique chateada por não estar seguindo certos padrões, tende a sentir-se suficiente consigo em sua existência.
Nossa autoimagem é na verdade reflexo da imagem que recebemos do meio durante toda nossa vida, desde muito bebês e por isso estar satisfeitos consigo mesmo e amar a si mesmo, não significa peso, corpo padrão, estética ou mesmo técnicas motivacionais de bem-estar. Para nos amarmos é preciso antes nos sentirmos, nos ouvirmos, para então nos vermos como somos. E acreditem, por mais que pareça convidativo, essa experiência pode ser intensamente difícil, pois muitas vezes é preciso desconstruir ou se dar conta que está construído em cima de ideais que não nos sustentam e então criar novos significados para sua existência, logo para sua imagem e seus próprios ideais.
Para se amar enquanto corpo é preciso se amar primeiramente enquanto ser e reconhecer seu valor. Nossa cultura intensa e critica, apoiada em tabus, regras e contextos invasivos, tem um papel forte e determinante sobre como nos sentimos frente a nós mesmos, ouvimos e aprendemos que devemos cumprir padrões, etiquetas, hábitos e essas ideias herdadas têm um papel impeditivo e relevante sobre nosso autovalor, então não basta simplesmente mudar imagem ou palavras, é preciso aprender a enfrentar aquilo que está dentro de cada um.
Logo, podemos entender que nosso amor próprio é aprendido e não um processo natural e instintivo. A falta de manejo com a nossa imagem e existência no meio, pode ser causadora de sérios conflitos emocionais e até gerar sintomas sérios por toda a vida. Impedindo uma vida saudável, exagerando em procedimentos externos do corpo, focando suas conquistas no que os outros dizem e acham, na moda e padrões e assim se distanciando cada vez mais de ser quem se é, podendo gerar uma vida vazia, sem reconhecimento por si mesmo, tornando-se uma pessoa rasa, ansiosa, imediatista, critica destrutiva, agressiva, dependente, excessivamente carente, depressiva, insegura, com dificuldades de manter relações, trabalho e planejamentos e de construir algo valioso e contínuo para si.
Não acredito que haja receita para sentir-se bem consigo ou se amar, mas é um processo que pode ser iniciado ou retomado a qualquer momento da vida se a pessoa estiver aberta a realmente olhar para si além do que mostram.
Acredito que um auxilio psicológico ou um processo de análise seja fundamental para muitos casos, pois é neste espaço que a pessoa poderá falar, ser ouvida, se ouvir, se enxergar, reaprender sobre si, ressignificar e então abrir possibilidades pessoais e particulares para lidar com os próprios conflitos e também descobrir e aprender sobre seus valores e prazeres na vida.
Exercícios físicos sem exageros e que gerem prazer costumam gerar bom estimulo corporal e é comum as pessoas relatarem se sentirem mais satisfeitas consigo mesmas, mesmo sem grandes mudanças físicas. Além de uma alimentação saudável e equilibrada, longe da ideia exagerada dos regimes ou dietas da moda.
Por fim, o amor por si mesmo tende a acontecer quando a pessoa entender que sua imagem, por mais que dependa do outro e do meio para ser visto, ao mesmo tempo não depende do meio para ser. Enquanto sua imagem estiver focada e apoiada no padrão da moda, do meio, do outro é muito possível que sua autoimagem seja distorcida e que não se conheça realmente.
Atendo muitos casos envolvendo a autoimagem e apesar das diferentes histórias, os casos possuem um ponto em comum, de que o amor próprio não está relacionado a aparência, mas sim a possibilidade de ser e existir por si mesmo.
A cada paciente e história que chega até mim, percebo e entendo que na verdade são os padrões e normas que são estranhos e que o tal “normal” costuma ser sinônimo de algo não saudável. Logo, deixo aqui um pensamento: se você estiver tentando se encaixar em algum ideal de imagem ou padrão, estranhe e desconfie deste desejo e tente perceber se ele lhe traz satisfação ou se ele te afasta mais ainda de você mesmo.
Imagem de capa: Shutterstock/Nina Buday
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