COLABORADORES

“Por uma educação que ensine perguntas e não respostas”

“A educação modela as almas e recria os corações. Ela é a alavanca das mudanças sociais.” Paulo Freire.

É sabido que a educação está intimamente ligada ao processo de desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. No Brasil, haja vista a falta de investimentos e de priorização, a educação como um fio condutor do progresso da sociedade sempre esteve relacionada à utopia, isto é, a algo muito distante e, em certa medida, irrealizável.

Apesar da situação dificultosa ao longo da história brasileira, encontramos alguns personagens importantes na luta por uma educação que seja, antes de qualquer coisa, fator de humanização de um povo sofrido, explorado e sonegado sistematicamente em seus direitos.

Alguns desses personagens são responsáveis pelo livro “Fazer Universidade – Uma Proposta Metodológica”, uma obra seminal para o processo pedagógico e o pensar educacional, a saber, os professores Cipriano Luckesi, Elói Barreto, José Cosma e Naidison Baptista, que em 1984 trouxeram uma fresta de luz sobre a penumbra que cobria, e ainda cobre, o pensar educacional no país.

A proposta educacional levantada no livro, alinhada aos pensamentos de mestres, como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Rubem Alves e Paulo Freire, assume um caráter “utópico”, dada as circunstâncias e o status que a educação possuía e continua a ter na nossa sociedade.

Entretanto, ao tratar sobre essa problemática, é preciso resgatar as palavras de Victor Hugo (2013, p.486), de que “Nada como o sonho para gerar o futuro. Hoje utopia, carne e osso amanhã”. Dessa maneira, a educação como um caminho para o desenvolvimento humano no solo brasileiro deve ser um sonho em constante reconstrução, já que, como dizem os próprios autores

“A delimitação que apresentamos de universidade pode se apresentar, a muitos, como um sonho. Certamente que assim o é! Mas um sonho possível, desde que por nossa prática tentamos transformar essas aspirações em realidades factuais” (LUCKESI. et al., 1984, p.22).

Sendo assim, a universidade como lugar próprio do conhecimento, deve estar estruturada de modo a possibilitar que o pensamento seja erigido de forma crítica e, por conseguinte, se reverberando em experiências de libertação individual e coletiva. O que implica dizer que “O importante é, na universidade, aprender a estudar, a fazer, a produzir conhecimentos, a ser gente” (LUCKESI. et al., 1984, p. 23).

A universidade não deve preocupar-se somente com a formação tecnicista a fim de atender as demandas do mercado, mas antes, deve contemplar uma formação com conhecimento crítico, buscando questionamentos, colocando o pensamento em análise e, consequentemente, saindo do lugar perigoso, mas cômodo, do senso comum.

Devemos considerar, todavia, os empecilhos historicamente colocados junto à construção de um saber acadêmico crítico e questionador. A formação dogmática das universidades, originadas a partir da Igreja, ainda permanece na contemporaneidade, isto é, na forma de produzir e perpassar o conhecimento, carregada em regras que tornam a educação tecnicista e o conhecimento demasiadamente mecânico e reprodutivo, sem que haja espaço para que o pensamento possa se manifestar de forma livre e autônoma.

Do mesmo modo, há de se considerar que ainda permanecem resquícios das sanções impostas àqueles que corajosamente ousavam contestar as autoridades e os dogmas impostos, fazendo com que o conhecimento continue sendo um instrumento rígido e, em certos casos, até incontestável e imutável.

No Brasil, essa estrutura rígida e dogmática impediu que movimentos e pensamentos que sonhavam com a universidade como um espaço onde, de fato, poderia ocorrer o livre pensar, se concretizassem. A nossa política, marcada por processos ditatoriais, sempre buscou modos de silenciar os sujeitos tidos como subversivos, homens que pensavam a academia como um espaço de desconstrução dos grilhões que impedem a sociedade de avançar, que mantêm o povo ignorante e alienado, que molda pensamentos a modelos pré-definidos de controle, exploração e perversidade. Como apontam os autores (LUCKESI. et al., 1984, p.35) “[…] ditaduras são incompatíveis com os debates e a verdadeira universidade deve ser edificada sobre e a partir do debate livre das ideias”, pois “[…] o conhecimento só evolui se é passível de crise, de questionamento” (Ibid, p. 38).

Dito isso, devemos ter em mente que fazer a universidade ainda consiste em um projeto de luta e resistência ante às ditaduras invisíveis que permanecem.

Aceitar um modelo de educação que visa exclusivamente atender aos detentores do capital e transforma a universidade em um grande balcão de negócios é impedir o desenvolvimento do ser social, que necessita da criticidade para aprender a observar e problematizar a sua realidade, adquirindo, assim, a capacidade de ser um agente transformador do seu meio.

O processo educacional que priva o educando da práxis, o torna incapaz de apreender a realidade posta ao seu redor, tornando-o um mero objeto, dissociada da ação que só pertence àquele que aprende sendo sujeito. Nesse sentido, é necessário estar o tempo inteiro buscando maneiras de questionar a ordem posta, as verdades colocadas, para que não haja uma sacralização dos saberes e das verdades históricas e sociais, pois é condição própria da evolução do homem estar propicio à reavaliação da sua maneira de enxergar o mundo.

Dessa forma, é imprescindível que o aluno não seja apenas um reprodutor de saberes e dogmas estabelecidos durante o processo de aprendizagem, mas sim, sujeito ativo e, por isso mesmo, construtor do seu próprio conhecimento, exercendo perenemente a sua capacidade de leitura, de análise, de problematização e de soluções perante a realidade que o circunda e lhe é posta. A simples repetição de verdades torna, pois, o ensino tão somente uma “[…] reprodução de ideias sem qualquer força de criação contínua, de produção nova, uma vez que se bloqueia a fecundidade e o exercício da crítica” (LUCKESI. et al., 1984, p. 40).

E, como dito, o aluno deve ser construtor de conhecimento e, por conseguinte, de mundo, porque como bem disse Paulo Freire (2004, p.18): “A educação modela as almas e recria os corações. Ela é a alavanca das mudanças sociais”.

Imagem de capa: Shutterstock/iidea studio

Erick Morais

"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: erickwmorais@hotmail.com

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