Por Lara Vascouto
Fecha essas pernas, menina!
Recentemente, li um artigo sobre um fenômeno que não é nem um pouco estranho para quem usa o transporte público: o chamado manspreading – ou algo como homenspalhando, em português. Você sabe do que se trata: homens que acham que tem o direito divino de sentar com as pernas abertas em ângulos obtusos, como se suas bolas fossem explodir se chegarem minimamente perto de suas coxas. Sabe, como se estivessem se espalhando mesmo no assento.
Como usuária de metrô e ônibus, essa prática sempre me irritou profundamente porque, além de invadir o espaço dos outros, o ato de homenspalhar às vezes come dois assentos de uma homenspalhadada só, diminuindo a oferta de lugares disponíveis. Felizmente, parece que essa prática está sendo cada vez mais criticada, sendo a última boa novidade a campanha do Departamento Metropolitano de Transporte de Nova York, que pede aos ofensores para parar com a espalhação, faz favor.
O que chamou mais a minha atenção, no entanto, foi a reação de certos espalhões à campanha. Um dos entrevistados disse: “Eu não vou cruzar minhas pernas como as mulheres fazem. Vou sentar como quiser”. Outro professou aos quatro ventos que “É mais confortável assim”, acrescentando que só se moveria por um idoso ou por uma mulher atraente. Cavando mais fundo na internet, descobri blogs e tumblrs dedicados à divulgação e crítica do homenspalhando, e fiquei passada quando li suas autoras falando que quando abordam os ofensores, pedindo que eles fechem as pernas, alguns acatam, resmungando mal-humorados, mas muitos simplesmente se recusam a abrir espaço. Alguns tem até a coragem de falar que sentar com as pernas fechadas pode danificar o seu precioso saco escrotal – argumento que foi totalmente desmentido por médicos, diga-se de passagem.
Lendo tudo isso não pude deixar de pensar nas posturas corporais adotadas por homens e mulheres no dia-a-dia e como elas influenciam a balança de poder entre os gêneros. Afinal, o homenspalhando, com as pernas arreganhadas e o saco livre para se espalhar no grande ângulo de quase 180°, além de ser uma postura corporal tipicamente masculina, é também uma linguagem corporal declarada e comprovada de dominância. Esta, inclusive, é uma regra básica do mundo animal: para expressar dominância, abra o corpo, pareça maior, ocupe espaço.
É por isso que o seu cachorro eriça o pêlo e levanta o rabo quando nota uma ameaça; ou que os vitoriosos jogam os braços para o céu; ou que os líderes andam de queixo erguido, apoiam as mãos na cintura e fazem gestos amplos com os braços. Dessa forma, o ato de homenspalhar não deixa de ser uma postura corporal que revela mais uma expressão da dominância do homem na sociedade.
Ah, mas mulheres são espaçosas também, pô – alguém vai dizer.
Sim, com certeza. Tem muita mulher que ocupa mais espaço do que deveria (outro dia uma amiga minha presenciou uma garota com as pernas preguiçosamente apoiadas ao longo de todo um assento no metrô), mas dificilmente você vai encontrar uma mulher homenspalhando. Isso é fato: sentar de pernas abertas é uma postura corporal exclusivamente masculina – tão exclusivamente masculina que quando eu falo “fulana abriu as pernas”, você já imagina a dita mulher em posição sexual (isso sem contar que o fato dessa expressão ser usada para situações em que alguém cede e se torna submisso daria todo um texto a parte).
Basicamente, mulheres não podem abrir as pernas, a não ser que seja para fazer sexo. A gente aprende isso desde criança. Fecha as pernas, menina. É feio. Não é feminino. É grosseiro. Credo, fecha essas pernas, vão pensar que você quer dar (essa eu ouvi de uma amiga, quando criança).
E a gente vai aprendendo. Conforme crescemos, assumimos as típicas posturas corporais femininas – as pernas cruzadas; os joelhos apertados; uma mão segurando a outra – basicamente, o corpo fechado, ocupando o mínimo de espaço necessário e expressando a mais perfeita submissão.
Ai, mas só porque uma pessoa assume uma postura corporal submissa, não quer dizer que ela seja submissa – mais alguém vai dizer, irritado.
Mas é aí que a coisa fica realmente estranha. De acordo com um estudo de Harvard conduzido pela famosa psicóloga social Amy Cuddy, a postura corporal – postura física mesmo – que uma pessoa assume tem o poder de afetar os seus próprios sentimentos, comportamentos e até os seus níveis de hormônios. De forma resumida, o estudo provou que assumir uma postura de dominância – homenspalhando, por exemplo – por dois minutos que seja aumenta os níveis de testosterona da pessoa (o hormônio da dominância), diminui os níveis de cortisol (o hormônio do stress), faz com que ela se arrisque mais (pois se torna mais confiante), e seja mais bem-sucedida em entrevistas de emprego.
Veja o ótimo vídeo do TED com a Amy Cuddy aqui.
Basicamente, ao assumir posturas corporais de dominância e poder, você consequentemente se sente mais dominante e poderoso. Da mesma forma, ao assumir uma postura corporal de submissão, você se torna, sim, mais passível de ser dominado.
O que isso significa em um mundo em que as mulheres são ensinadas desde cedo a assumir posturas de submissão (e até coibidas de assumir certas posturas corporais de dominância, como homenspalhar), enquanto a postura corporal típica de repouso de homens grita dominância na cara da sociedade? Significa que machismo também está nas sutilezas e que nós temos também que pensar em linguagem corporal quando falamos sobre desigualdade de gênero, pois não vivemos mais pelas leis da selva e todos, homens e mulheres, deveriam ter o direito de se espalhar o quanto quiserem.
Menos no metrô, é claro.
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