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O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição neurobiológica de influências genéticas e ambientais, que pode se instalar no início do desenvolvimento (período dentro do útero). Ele é caracterizado por um comportamento que vai ao extremo da desatenção, da inquietude e da impulsividade – num nível que não se esperaria para fases mais avançadas do desenvolvimento da criança. O transtorno pode acompanhar a pessoa durante a vida adulta. Uma revisão ampla de artigos sobre o TDAH destaca as descobertas mais recentes dos cientistas e aponta para a necessidade de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas. Entre os achados, destacam-se os diferentes perfis da doença; a questão genética, que predispõe a outros problemas psiquiátricos; e a eficácia das medicações para sintomas específicos.
A revisão foi realizada pelos pesquisadores Guilherme V. Polanczyk, professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP); pelo psiquiatra Jonathan Posner, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos; e pelo psicólogo Edmund Sonuga-Barke, do King’s College, no Reino Unido. O trabalho foi feito a pedido da Revista Científica The Lancet. O artigo pode ser acessado neste link.
O TDAH atinge 5,3% de crianças e adolescentes e 2,5% de adultos, em todo o mundo. A ocorrência do transtorno aumenta a taxa de mortes, as dificuldades escolares e o abuso de drogas, além de piorar a colocação no mercado de trabalho.
“Ainda assim é uma condição muito pouco tratada e acabamos perdendo uma oportunidade, porque é algo que começa muito cedo, muito antes desses problemas acontecerem, e poderíamos tratar isso”, destaca Polanczyk ao Jornal da USP.
O tratamento atual mais eficaz para adultos e crianças com TDAH são as medicações estimulantes. Sintomas de desatenção e hiperatividade respondem mais às medicações, mas uma pessoa com o transtorno frequentemente apresenta uma série de outros problemas associados, que necessitam de intervenções, como psicoeducação, psicoterapia, etc.
As taxas de tratamento, porém, são muito baixas. Em países desenvolvidos, vão de 40% a 60%. No Brasil, um estudo do grupo de Polanczyk realizado em São Paulo e em Porto Alegre mostrou que 80% das crianças com transtornos mentais (ansiedade, fobias, esquizofrenia, TDAH, etc.) dessas cidades não recebem tratamento.
Atualmente, o diagnóstico do TDAH é feito a partir de uma classificação da Associação Americana de Psiquiatria, usada em todo o mundo. São 18 sintomas, sendo nove de desatenção e outros nove de hiperatividade e impulsividade. Para ter o diagnóstico fechado, precisam ser identificados, na criança, no mínimo seis sintomas de desatenção e/ou de hiperatividade e impulsividade. Na idade adulta são, pelo menos, cinco sintomas de desatenção e/ou cinco de hiperatividade e impulsividade.
Especialistas com bom treinamento conseguem identificar o transtorno em crianças a partir dos 4 anos. Os sintomas incluem desatenção, hiperatividade e impulsividade. A criança se caracteriza por aquele comportamento, num nível que não se espera mais dela, naquela fase do desenvolvimento.
Polanczyk conta ao Jornal da USP que um dos achados envolve as variantes genéticas associadas ao TDAH. Um dos estudos identificou, pela primeira vez, ao menos 12 regiões do nosso material genético que aumentam o risco para desenvolvimento do transtorno. Segundo o professor, esses genes estão relacionados aos processos normais de desenvolvimento do cérebro. Isso vai muito ao encontro de vários outros estudos que sugerem que o TDAH é um desvio do desenvolvimento cerebral, uma maturação atrasada do cérebro. Para o pesquisador, o achado é muito importante, pois traz a perspectiva de usar esses genes para obter tratamentos mais direcionados.
Outra descoberta mostra que os genes associados ao transtorno – e que elevam o risco para o desenvolvimento de TDAH – também aumentam o risco para outros transtornos, como esquizofrenia, autismo e depressão. Segundo o professor, esse achado vai ao encontro dos estudos realizados em famílias. Quando uma mãe é diagnosticada com depressão ou um pai é diagnosticado com ansiedade, os filhos têm um aumento do risco de desenvolver todos os outros transtornos mentais – e não apenas depressão ou ansiedade. “Esse é um dado consistente que, possivelmente, tem implicações em como categorizamos os transtornos mentais.”
Um outro achado diz respeito à falsa impressão de que, nas últimas décadas, houve um aumento da incidência de TDAH. Na verdade, a revisão mostrou um aumentou nas taxas de diagnóstico do transtorno. Entretanto, as taxas de tratamento, em todo o mundo, ainda são muito baixas.
A revisão mostrou ainda a eficácia dos tratamentos medicamentosos, enquanto que os alternativos, não farmacológicos, como suplementação de ômega 3 e terapia cognitivo-comportamental, entre outros, se mostraram bastante frágeis. Contudo, o professor lamenta que não existam estudos que evidenciem os benefícios de longo prazo resultantes do tratamento das pessoas com TDAH.
A revisão de artigos também mostrou que não há um padrão cognitivo único para pessoas com o transtorno, sendo esse perfil bastante distinto e diverso. Em algumas, o problema maior é a lentidão, demoram muito para fazer as coisas, não têm energia, parecem desanimadas. Já outras querem emoção, adrenalina, e se expõem muito a riscos.
Segundo o professor, cada vez mais os cientistas entendem que o TDAH é o extremo da distribuição, dentro de uma população, do traço “desatenção”, “agitação”. “O que quer dizer isso? Que todos nós temos um pouco de desatenção, de ansiedade, todos ficamos tristes, e isso se distribui de uma forma dimensional. O TDAH parece ser aquele grupo de pessoas que têm mais dessa desatenção ou dessa agitação. A diferença está na intensidade”, explica ao Jornal da USP. Ele conta que os mesmos genes associados ao TDAH também estão associados a essa desatenção e a essa agitação nas crianças sem diagnóstico do transtorno.
Todas essas descobertas trazem demandas desafiadoras aos profissionais da área. Polanczyk ressalta que não se pode perder de vista que, atualmente, existe um diagnóstico correto, padronizado e bem validado. No entanto, para o psiquiatra, será preciso começar a levar em conta a dimensionalidade do TDAH, entendendo que há pessoas que, num determinado momento, não preenchem todo os critérios de diagnóstico, mas, em outros, podem apresentar problemas de comportamento ou sintomas.
“Para um fim clínico, para dizer se deve ou não tratar, nós estabelecemos essas características diagnósticas, tem ou não tem, mas isso não representa o que acontece do ponto de vista biológico”, aponta. E essa dimensionalidade do TDAH vale para todos os outros transtornos, como autismo e ansiedade.
Segundo Polanczyk, ao longo do tempo, na interação com o ambiente, os sintomas do TDAH podem mudar. Uma pessoa que apresente sintomas em menor intensidade pode ter esse quadro alterado em um determinado período da vida: a formatura, a saída da casa dos pais, trabalho, dinheiro, estresse e outras demandas do cotidiano. Diante disso, eventualmente, os sintomas podem aumentar muito.
“Pode ser que aquele indivíduo ultrapasse esse limiar porque está em um contexto que favorece o surgimento desses sintomas. E isso é importante porque hoje a gente diz “seu filho não tem TDAH, fique tranquilo, vai embora”. Mas pode ser que os sintomas surjam depois”, alerta o psiquiatra. E caso apresente apenas quatro ou cinco sintomas, não terá o diagnóstico fechado, e não receberá o tratamento para TDAH. Porém, esses quatro ou cinco sintomas podem estar atrapalhando muito a vida da pessoa, gerando estresse, dificultando estudos.
O psiquiatra ainda sugere que é preciso avançar mais e deixar para trás a ideia de um tratamento comum a todos. Como exemplo, ele cita o câncer de mama. Há vários tipos de tratamento, de acordo com o tipo de tumor. Para Polanczyk, será preciso pensar na dimensionalidade do TDAH para cada pessoa e partir para intervenções que levem em conta as características individuais, as funções cognitivas, os genes, e que não dependam tanto da categorização diagnóstica e, assim, atuar de uma forma mais específica.
E como traduzir para a prática clínica esse achado de que não é “tenho ou não tenho TDAH” mas sim “tenho uma dimensão do transtorno”? Para o professor, a exemplo da cardiologia, se uma pessoa tem um colesterol limítrofe, a proposta pode ser fazer uma dieta, porém, se o colesterol é um pouco mais alto, o médico indica alguma outra coisa além. “Talvez, na psiquiatria, seja preciso chegar a esse ponto, de entender o nível e a intensidade e tratar com base nisso, ter intervenções mais direcionadas para esses níveis e intensidade de sintomas.”
Mais informações: e-mail gvp@usp.br, com o professor Guilherme V. Polanczyk
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