PERDAS E LUTO

Precisamos viver o luto para não vivermos em luto

Durante o luto, tudo dói. Há dias em que é quase insuportável permanecermos em nós mesmos. O enlutado vive uma realidade paralela, enquanto o mundo ao seu redor segue. Imerso no luto, parece injusto que a vida siga seu rumo lá fora como se um coração não tivesse parado de bater. Os carros seguem passando, pessoas tomam café na padaria, há um lançamento de filme, alguém procurando um sapato novo. Tudo tão incoerente diante da dor lancinante.

Manifestações de luto constrangem e questionam uma cultura que supervaloriza o que é relativo à felicidade. Nessa situação, um dos aspectos mais importantes é permitir que a pessoa expresse sua dor e assim, tenha seus sentimentos validados. Contudo, a dor do outro tende a nos incomodar e na tentativa de acalmá-lo, utilizamos frases como “você precisa ser forte” ou “ele está em um lugar melhor agora”.

Se não pudermos chorar, e até gritar, a dor pela morte de alguém querido perante seu corpo sem vida, em que outra circunstância será permitido dar voz e espaço para nossas dores?

Os rituais de morte são essenciais no processo de luto. São momentos de profunda dor, onde a realidade confronta o desejo de que quem amamos seja imortal. São saudáveis as expressões intensas de sofrimento durante os rituais fúnebres e é fundamental viabilizar que tais emoções sejam vivenciadas, uma vez que este é o contexto mais adequado para vivê-las, evitando que crises abruptas e severas aconteçam mais tarde em situações cotidianas diversas.

O uso de medicamentos tranquilizantes não é adequado, a menos que seja um caso extremo. O efeito de torpor impede que os rituais de despedida sejam vivenciados integralmente. Naturalmente, a pessoa já está muito confusa e o medicamento a deixará ainda mais desconexa de suas emoções.

O luto é um período de mudanças e descobertas de potenciais que nem imaginávamos ter. Descobrimos como viver sem aquela pessoa e conviver com a saudade. É imprescindível o auxílio da família e amigos, mas, como todo processo íntimo, é individual e solitário. Uma parte de nós também morre, mas outra parte nasce para que consigamos nos reorganizar e dar continuidade à nossa vida.

Após uma perda significativa é preciso ressignificar a vida para não permanecermos velando aquilo de nós que perdemos com a morte do outro, mergulhando no chamado luto complicado. O luto precisa ser vivido para não vivermos em luto. Como uma ferida aberta que exige cuidados, sem recolhimento e o devido zelo, ela não cicatriza, pode infeccionar e causar outros quadros mais delicados.

O luto também é tempo de relembrar alegrias e recordar bons momentos. A elaboração do luto vai transmutando a dor da saudade. Ser feliz não implica em não haver nenhuma dor. Com o tempo, o que era dilacerante, dá espaço ao sentimento de falta acompanhado de lembranças carinhosas de quem se foi.

***

Imagem de capa: Shutterstock/Rocketclips, Inc.

Marciane Sossmeier

Psicóloga clínica com enorme interesse nos processos e mecanismos envolvidos nas interações e comportamentos humanos. Com orientação psicanalítica, mantém uma abordagem integral do ser humano e sua subjetividade. Graduada pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e pós-graduanda em Dinâmicas das Relações Conjugais e Familiares pela Faculdade Meridional (IMED). .

Recent Posts

Veja esta série na Netflix e ela não sairá mais da sua mente

Esta série que acumula mais de 30 indicações em premiações como Emmy e Globo de…

20 horas ago

Filme premiado em Cannes que fez público deixar as salas de cinema aos prantos estreia na Netflix

Vencedor do Grande Prêmio na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e um…

21 horas ago

Série ousada e provocante da Netflix vai te viciar um pouco mais a cada episódio

É impossível resistir aos encantos dessa série quentíssima que não pára de atrair novos espectadores…

2 dias ago

Influenciadora com doença rara que se tornou símbolo de resistência falece aos 19 anos

A influenciadora digital Beandri Booysen, conhecida por sua coragem e dedicação à conscientização sobre a…

2 dias ago

Tatá precisou de auxílio médico e passou noites sem dormir após acusação de assédio, diz colunista

"Ela ficou apavorada e disse que a dor de ser acusada injustamente é algo inimaginável",…

3 dias ago

Suspense psicológico fenomenal que acaba de estrear na Netflix vai “explodir sua mente”

Será que você é capaz de montar o complexo quebra-cabeça psicológico deste filme?

3 dias ago