A pressa adoece a mente?

Por Christian Dunker

A pressa e a aceleração da vida são queixas para psicanalistas e psiquiatras desde que George Beard escreveu sobre o nervosismo americano em 1881, associando-o com o afã da época por novidades como luz elétrica, motor a vapor e relógio de pulso. A isso se somaram novas pressões. Se a vida fosse mais simples e nossos sonhos, mais humildes, não haveria turbilhão, termo que nos leva ao avião e suas turbinas. Medos, desejos e expectativas nos pressionam, por dentro e por fora, somente porque nos acreditamos tão livres e responsáveis pela realização de nossa felicidade que podemos livremente nos aprisionar a ela.

O ritmo acelerado ou lento da passagem da vida depende da relação entre a percepção de mudança e a mudança de percepção. Às vezes, parece que estamos parados no “carro da vida” e que é a paisagem que se move. Outras, estamos nos movendo tão rápido que não percebemos a paisagem mudar – crianças para as quais o tempo não passa, ou adultos tão ocupados que nem se dão conta de que o ano passou, ou, pior, de que a vida passou. Cumprir metas – obsessão de tantos – nem sempre é relevante diante de nossos sonhos e desejos, aqueles que tínhamos quando crianças. Vidas em estado permanente de “falta de tempo” produzem sentimento de extravio de si, esvaziamento e solidão. Contudo, vidas programadas, dietéticas e que cabem em seu próprio tempo vêm junto com falta de intensidade, tédio e sentimento de irrelevância.

Freud descreveu duas atitudes opostas diante das exigências da vida: a fuga para a fantasia, baseada no recolhimento e no devaneio, e a fuga para a realidade, baseada no controle, no planejamento. Há várias figuras – o mal-estar, a angústia, a morte, o conflito, a solidão a dois – dessa condição existencial da qual fugimos, mas sem a qual a qualidade de nossa experiência parece decair, perdendo espessura e intensidade, nos levando a uma vida em estado de adormecimento. O sintoma transversal do cansaço, unido ao inquestionado ideal de adequação, cria uma vida que oscila entre a pressão e a descompressão, entre o frenesi do último job e a lobotomia anestésica da sexta-feira etílica.

Essa sanfona psicológica nos expõe a certos modos típicos de adoecimento do corpo: exaustão permanente, quadros difusos, psoríase e tenossinovites, doping farmacológico. São os chamados sintomas psíquicos de origem sistêmica, respostas a formas de vida nas quais o sofrimento se entranha de tal maneira que não mais requer boas narrativas, nem modulações da agressividade ou qualquer hesitação diante da ansiedade que nos protege da verdadeira angústia. Essa forma padrão de sofrimento parece ter sido o melhor resultado que pudemos inventar diante de nossa equação entre o corpo, o mundo e as imperfeitas leis. Contra ela não há soluções em bloco, como mudar de país ou de profissão. Há apenas a solução que mitiga seus efeitos mais deletérios: reduzir drasticamente o peso da angústia neurótica, um excesso de bagagem extremamente caro.

Há ainda as microssoluções, como o uso impiedoso do corte, do parêntesis, das reticências e de todas as demais formas de descontinuação e abertura contra o que torna nosso cotidiano uma linha reta que quanto mais a gente mexe mais se enovela – se é que já não perdemos o fio da meada.

Contra esse monstro gigante, essa hidra de sete cabeças, devoradora de corpos e almas, não há remédio unicista: nem psicanálise nem psiquiatria, nem tai chi com massagem ayurvédica, nem surf meditativo combinado com design thinking e alimentação transcendental. Se não tomar cuidado, tudo que a gente inventa como antídoto é engolido, transformado e devolvido como mandamento para “seguir no fluxo”.

TEXTO ORIGINAL DE REVISTA TRIP






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