O professor paraibano Rilton Vianna resolveu ajudar um aluno que se isolava do restante da classe, mas acabou conseguindo, sem querer, trazer à luz as angústias de todos os seus estudantes adolescentes — além de inspirar centenas de professores pelo país.
Tudo começou em abril do ano passado, quando Vianna — que ensina Português no Ensino Médio na cidade de Cajazeiras, interior da Paraíba — ouviu de uma aluna que um colega dela estava com baixa autoestima e cada vez mais distante dos colegas.
“O que podemos fazer por ele?”, pensou Vianna na época. Uma conversa direta talvez afastasse o aluno; mencioná-lo em sala de aula certamente o constrangeria.
Foi aí que Vianna criou uma atividade para incluir toda a turma, no intuito de, indiretamente, ajudar o aluno.
“Escrevam em um papel uma angústia que estejam sentindo”, pediu Vianna a metade dos alunos da turma. O texto era escrito anonimamente e podia se relacionar a angústias da vida escolar ou familiar.
“Escrevam em um papel uma mensagem de apoio ou conforto”, pediu ele à outra metade da classe. Podiam ser mensagens genéricas ou mais específicas, para motivar seus colegas.
Vianna misturou as mensagens, organizou a classe em um círculo e sorteou quem iria ler o quê. “Quem tiver em mãos um papelzinho com uma angústia, leia-a em voz alta. E todos aqueles que se identificarem com aquela angústia, deem um passo à frente.”
E então começaram a vir à tona as aflições dos adolescentes: baixa autoestima, dificuldade em conversar com os pais, não se sentir bom o bastante, a pressão em se preparar para o vestibular, sensação de ser invisível ou incompreendido por parte dos adultos.
A cada mensagem lida, muitos davam um passo à frente. Em seguida, Vianna pedia que alunos que tivessem em mãos mensagens de conforto as lessem também.
“Nenhum leu a própria angústia, mas dava para ver a comoção deles” ao se identificar com os sentimentos dos colegas, conta Vianna à BBC News Brasil.
Alguns alunos choraram, outros espontaneamente interrompiam a sessão para dar abraços nos amigos.
“Uma das maiores lições que tirei disso é que os adolescentes não se sentiam ouvidos. Não achavam que havia espaço para darem sua opinião”, diz o professor.
E algo muito importante: nenhum aluno zombou do outro durante a atividade. “Fiquei pensando que algum poderia ridicularizar o outro, mas ninguém tirou onda. Até meninos mais conhecidos por serem fechados ou brincalhões demonstraram comoção.”
Eu dou aula à galera de ensino médio há uns 8 anos, e só agora vim perceber o quão carentes nossos adolescentes são de serem ouvidos.
— Rilton (@itsrilton) April 27, 2019
Aplicada nas seis turmas de ensino médio de Vianna, a atividade acabou repercutindo muito além do que ele esperava.
O professor tinha poucos seguidores no Twitter e no Instagram quando contou a experiência nas redes sociais. “Dou aula à galera de ensino médio há uns oito anos e só agora vim perceber o quão carentes nossos adolescentes são de serem ouvidos”, escreveu na época.
“Fiquei impressionado porque, em todas as turmas, quando o assunto era incompreensão da família, falta de diálogo ou distanciamento dos pais, o número de pessoas que deram um passo à frente foi muito alto. Às vezes, os alunos chegam à escola com a mochila carregada não só de livros, mas também de angústias.”
O post viralizou, e Vianna foi inundado por centenas (ele estima 500) de mensagens de outros educadores brasileiros — desde professores universitários até educadores de jovens em processo de reabilitação — interessados em replicar a ideia.
‘Alunos estavam sufocados’
Entre esses educadores estavam Maura Silva e Mariane Carvalho da Rocha, professoras, respectivamente, de matemática e espanhol em uma escola estadual em Bocaina, no Piauí.
Elas estavam especialmente preocupadas com uma turma de ensino médio que estava desmotivada, desinteressada e desconcentrada das aulas. Quando leram sobre a atividade na Paraíba, em maio, resolveram testá-la.
“Se eu te disser que isso está rendendo (frutos) até hoje, você acredita?”, diz Silva à BBC News Brasil.
Assim como em Cajazeiras, a dinâmica em Bocaina teve lágrimas e desabafos dos alunos.
“Sinto falta de mais carinho”, escreveu um dos estudantes, anonimamente. “Quem nunca se sentiu assim?”, perguntaram às professoras à sala, enquanto muitos davam um passo à frente.
“Nos surpreendeu muito como os alunos estavam se sentindo sufocados”, prossegue Silva. “Nos chamaram a atenção os relatos de vida. Às vezes a gente olha para a disciplina (dada em aula), sem ter ideia de o que está passando na cabeça deles.”
Por se tratar de uma cidade pequena (Bocaina tem, segundo o IBGE, 4,5 mil habitantes), Silva passou a receber até visitas dos alunos precisando desabafar. Vieram à superfície desde dificuldades cotidianas até casos mais graves de abuso e doenças mentais, o que levou as professoras a buscar ajuda psicológica para lidar com as situações mais extremas.
“Descobrimos problemas dos jovens em casa que afetavam seu desempenho em sala de aula”, explica. “Começamos a ver os alunos de forma diferente.”
‘Porta aberta’ para falar de sentimentos
Enquanto isso, em Cajazeiras, Viana recebia mensagens de pais dos alunos.
“Eles agradeceram, dizendo que os filhos estavam mais abertos (ao diálogo) em casa. Na adolescência, muitos se isolam dos pais, perdem a paciência. O mais importante é que eles passaram a se sentir mais abertos a falar sobre os próprios sentimentos. É preocupante que adolescentes não tenham com quem se abrir, ou sintam que não têm com quem se abrir.”
Vianna conta que a experiência melhorou o clima em sala de aula pela sensação de que os alunos passaram a ter “uma porta aberta” para a conversa.
E o professor também mudou suas próprias aulas. Para dar continuidade à “dinâmica da empatia”, como ele a chamou, Vianna passou a promover debates semanais com seus alunos sobre temas do cotidiano ou da vida pessoal deles.
O professor passou a ser mais sensível ao clima da classe. “Já teve vezes em que preparei uma aula e, quando via que a turma não estava bem (para acompanhar), mudava de rumo. Foi algo que a dinâmica da empatia me ensinou. O que realmente marca os alunos são as pequenas coisas que fazemos por eles.”
Em Bocaina, Silva ficou com sensação semelhante. Lá, também houve um esforço para dar continuidade ao projeto, criando planos multidisciplinares que ajudassem a manter a turma de alunos motivada.
“Acho que é uma dinâmica que vale a pena repetir quando sentir que é necessário” para lidar com problemas em sala de aula, opina a professora. “Ou mesmo só para criar um laço entre professor e aluno que vá além da disciplina.”
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Destaques Psicologias do Brasil, com informações de BBC Brasil.
Foto destacada: Getty Images.