Por Ana Helena Baptista Rodrigues
Crianças diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) não são escutadas para que as causas de seu comportamento sejam esclarecidas e tratadas, mas julgadas a partir de suas ações. O desejo da sociedade, evidenciado neste caso pela escola e pela família, em silenciar a agitação da criança tida como insuportável, tem o tratamento medicamentoso como primeira escolha de intervenção.
O TDAH é o transtorno psiquiátrico atualmente mais tratado em jovens e apresentou um grande crescimento de diagnósticos na última década. Estima-se que de 4% a 10% das crianças apresentem o problema no mundo. É comum o uso do metilfenidato (no Brasil vendido pela farmacêutica Novartis com o nome de Ritalina) como principal forma de tratamento, além de pequenas intervenções com terapia comportamental.
O metilfenidato pode causar reações adversas que vão desde enjoo e insônia até convulsões e pensamentos suicidas ou surgimento de comportamentos obsessivo-compulsivos. Porém a reação mais comum é mesmo o “efeito zumbi” que valeu à Ritalina o apelido de “droga da obediência”. “Nas sociedades de controle, o saber médico-científico vem substituir as instituições disciplinares enquanto dispositivo para controlar doentes em potencial”, esclarece a psicanalista Cristine Lacet que trabalha com crianças diagnosticadas com TDAH.
Um diagnóstico limitado, indicando que a criança sofre somente de disfunções neuroquímicas, leva à escolha de tratamentos que causam diversos efeitos colaterais e suprimem diretamente comportamentos espontâneos, pela diminuição da curiosidade, da vontade de brincar e da socialização. Por vezes, a expressão de sentimentos é reduzida e até mesmo eliminada, principalmente quando a angústia está associada ao conflito.
Em seu trabalho de doutorado, Cristine descreve as experiências clínicas que obteve no contado com crianças diagnosticadas com TDAH. Estas podem evidenciar um excesso de gozo pela movimentação incessante de seus corpos, na busca pelo olhar do outro, mas muitas vezes não são capazes de falar sobre o que sentem e o que as incomoda. “Uma movimentação incessante pode ser uma tentativa de se constituir uma borda, através de formas e limites que informem acerca do corpo, seja por temor de perdê-lo ou porque se encontra indiferenciado”.
O uso do medicamento causa o alívio dos sintomas, o que é interpretado como indicativo de cura. A sensação de que está tudo bem mascara o mal-estar do sujeito e impede uma intervenção baseada na causalidade psíquica. “A aposta da psicanálise, não visa a uma adaptação à realidade, sustenta a dissociação entre demanda e desejo, e aponta para o encontro com o real”, acrescenta Cristine.
A psicanalista esclarece ainda que um ponto fundamental a se considerar é que os sintomas apresentados por uma criança apontam sempre para a singularidade daquela criança, não sendo possível generalizar o significado/sentido daquele sintoma.
TEXTO ORIGINAL DE USP
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