A inspiração para eu escrever esse material de hoje é o relato de alguns psicólogos amigos, os quais me confidenciaram que se sentem incomodados quando veem postagens a respeito de coaching.
Primeiramente, gostaria de dizer que me sinto muito à vontade para falar de Psicologia e de Coaching. Sou psicólogo, analista do comportamento (um dos poucos acreditados pela Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC), atuo como professor universitário em curso de Psicologia, como clínico analítico-comportamental (aliás, organizei, juntamente com o Fernando Cassas e outros excelentes analistas do comportamento, um dos livros que é referência no ensino de clínica comportamental no Brasil), como pesquisador e como coach.
E, quando digo que sou coach, não estou apenas me intitulando como tal; estou dizendo que fiz muitos cursos de coaching, inclusive com coaches internacionais, além de ter escrito a primeira Tese de Doutorado sobre coaching defendida em um programa de Psicologia Comportamental no Brasil e de dar vários cursos sobre o tema, inclusive o primeiro curso de coaching para psicólogos.
Feita essa apresentação (que me faz acreditar estar credenciado para falar como psicólogo e como coach), volto ao assunto.
Conversando com esses amigos, notei que há um certo ranço em relação ao coaching. Ouço com frequência frases como “Puxa! Você não acha sacanagem termos estudado cinco anos para eles virem e roubarem nossos clientes?”, “Nós estudamos tanto, como é possível alguém virar coach em um final de semana?”, etc.
Vou compartilhar aqui o que respondo nessas ocasiões — algo em que realmente acredito!
Os profissionais de coaching não vieram roubar o espaço dos psicólogos; eles vieram ocupar um espaço que ninguém preencheu, que é o de trabalhar com pessoas que estão em busca de desenvolvimento, e que não apresentam nenhum quadro “psiquiátrico” ou “condição de vulnerabilidade”.
Daí o leitor pode dizer: mas o psicólogo tem formação para trabalhar com essa população!
Eu concordo parcialmente. Digo que o psicólogo estudou comportamento, e portanto poderia trabalhar em qualquer contexto cujo foco seja comportamento, desde que se dedicasse a isso. Contudo, o que se observa é que a Psicologia, como área, e o psicólogo, como profissional, predominantemente optaram por trabalhar com “comportamentos problema” — seja no consultório, nas organizações, nas escolas, etc. Vejam: o questionamento de fundo de toda primeira interação de um psicólogo com seu cliente é, invariavelmente, qual é a “queixa” ou o “problema” do cliente. Talvez uma das poucas exceções seja na área do esporte, que tem sido explorada mais recentemente, pelo menos no Brasil.
Dado que o psicólogo, tradicionalmente, focou suas atenções em “comportamentos problemas”, sua imagem está associada ou pareada com “doença”, com “problemas”, e não com “desenvolvimento”. Evidência disso é ser ideia amplamente comum entre as pessoas que psicólogo é “para louco” ou “para doente”.
O coach “tem” (daqui a pouco falarei sobre esse “tem”) uma preparação para lidar com o desenvolvimento de pessoas, que não apresentam “doenças” e nem estão em condições de vulnerabilidade, mas que querem obter melhores resultados, seja no aspecto profissional como no aspecto pessoal.
Os clientes de coaching, na maioria das vezes, não procurariam um psicólogo, pois não veem nesse profissional alguém que poderia ajudá-los — a despeito da discussão de podermos ou não, de fato, ajudá-los. Por isso digo que o coach não roubou o espaço do psicólogo, mas apenas ocupou um espaço o qual os psicólogos, na maioria das vezes, não se preocuparam em ocupar.
Na segunda pergunta tradicional, contudo, tenho que concordar com os colegas: alguém se “torna coach” em um final de semana? A resposta é simples: não, não é possível!
Um aspecto que devemos considerar aqui é que a maioria dos cursos de coaching que existe no Brasil é ministrada por escolas de negócios, cujo objetivo não é formar coaches, mas sim vender seus cursos.
Uma formação de coach — assim como qualquer outra formação —, que garanta que o coach tenha de fato aptidão para contribuir no desenvolvimento de pessoas, exige muitas horas de aula e de prática supervisionada. Para alguém aprender um comportamento profissional, ele precisará fazer (muito), observar o que faz, discutir o que fez, planejar como fazer diferente, etc. Basta pensarmos em formações que os psicólogos fazem (como em clínica, ou em recursos humanos, ou em esporte, etc.). Portanto, não será em um final de semana que alguém sairá coach.
Por fim, sobre essa conexão entre psicologia e coaching, é interessante verificar que, fora do Brasil — especialmente em alguns países desenvolvidos, como Austrália e Reino Unido —, a Psicologia absorveu o coaching como uma área de especialização, chamada de Psicologia do Coaching. Essa correlação tem sido saudável para as duas áreas: a Psicologia tem ganhado um papel mais propositivo, deixando de cuidar exclusivamente de “problemas”; e o coaching tem ganhado instrumentos mais eficazes para a produção de resultados positivos. Eu estou tentando gerar o mesmo movimento no Brasil, mas isso é assunto para outro dia.
Resumindo, acredito que as práticas da Psicologia e as do coaching podem ajudar muitas pessoas, quando feitas com seriedade. Além disso, acredito que o psicólogo, ao invés de apenas censurar a prática de coaching, deveria conhecê-la melhor, aprender com ela e se envolver. A realidade está dada: o coaching chegou para ficar. E se você quer se envolver, faça uma formação séria, que realmente vá formá-lo, com todas as competências que um coach precisa ter.
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