Por Bruno Vaiano
Uma onda de palhaços com más intenções varreu os Estados Unidos nos últimos meses. Ou pelo menos essa é a história relata pelas supostas vítimas de perseguição. Foram pelo menos cinco relatos ameaçadores só no estado americano da Carolina do Sul, onde se concentraram os primeiros casos. Facas e machados, olhares de esfínge e tentativas arrepiantes de atrair crianças para as sombras de um matagal.
O “supostas” no parágrafo acima não é gratuito: o fato é que nada comprova os relatos. Não há um resquício sequer de fio de cabelo azul ou nariz vermelho no “epicentro” das observações. E há ainda menos evidências de que o Coringa exista e esteja ensaiando com seus comparsas seu próximo ato de terror. Ninguém chegou a ser atacado, e nenhuma criança foi achada no mato. O que fazer?
A aposta da polícia é a de que isso seja, na verdade, uma crise de histeria coletiva, e que os palhaços não passem de uma ilusão, um fenômeno psicológico. A resolução do mistério parece cinematográfica, mas não é novidade. E tem tudo a ver, claro, com o medo crônico que boa parte das pessoas tem de palhaços.
Tudo começa na infância. Um artigo científico da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, revela que crianças e adolescente com idades entre 4 e 16 anos são quase unânimes em afirmar que a presença de figuras de palhaço em quartos de hospital é assustadora e não colabora em nada com a recuperação de pacientes — é de se pensar como o McDonald’s conseguiu conquistar o mundo com Ronald.
No artigo, a palavra usada para descrever Bozo e seus amigos em inglês é unknowable. Uma tradução próxima, mas complicada, é a palavra incognoscível. O espírito da coisa é que não se pode saber o que está por trás de um olhar de palhaço, e coisas ambíguas, em geral, dão muito mais medo do que coisas abertamente ruins.
Em resumo, todo mundo vai entender se você sair correndo quando um jacaré faminto avança na sua direção. O animal é um risco claro à sua vida, e todo mundo concordaria. Um palhaço, por outro lado, pode ter uma aparência repulsiva par alguns, mas nada garante que ele vá fazer uma maldade quando te abordar na rua — ou na platéia do circo. Eles são imprevisíveis. E é aí que está a chave do medo.
Uma outra pesquisa, que saiu na revista científica New Ideas in Psychology, é o primeiro estudo empírico já feito sobre coisas “arrepiantes” (creepy). E sua principal conclusão é que para ser horripilante, mais do que repulsivo, é preciso ser imprevisível. Os pesquisadores analisaram 1.341 voluntários maiores de idade por meio de questionários.
Na primeira parte, os participantes precisavam selecionar, entre 44 características físicas e comportamentais diferentes, as que elas mais associavam a coisas arrepiantes. Depois, elas precisavam fazer seu próprio ranking de profissões de dar frio na barriga e selecionar dois hobbys que não fossem exatamente… normais.
Os resultados são óbvios: no topo da lista de profissões, com uma imensa vantagem, estão os palhaços. E entre as características que ativam o alerta de arrepio, comportamentos só um pouco estranhos são considerados piores que comportamentos abertamente estranhos.
É impossível saber se um palhaço está feliz ou triste com o disfarce da maquiagem. E é impossível saber se ele vai ou não dar com uma torta na sua cara em uma fração de segundo. O mais provável, então, é que seja essa mistura de felicidade fingida com intenções ocultas que dê tanto medo. E esse medo é universal.
O que nos leva de volta à histeria coletiva. Na década de 1980, um caso parecido com o da Carolina do Sul foi desencadeado por relatos de crianças nos arredores de Boston. Na época, Loren Coleman, um especialista em criptozoologia — o estudo dos animais que não existem, como o Monstro do Lago Ness ou o Pé Grande — apostou que esses surtos poderiam ser simples imagens mentais levadas um pouco a sério demais. Talvez ele esteja certo, e o medo de palhaços volta em ciclos para assombrar os adultos. Why so serious?
(Via Science Alert)
TEXTO ORIGINAL DE REVISTA GALILEU
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