Um estudo publicado na conceituada revista Lancet Psychiatry sugere que um em cada 11 casos de psicose pode envolver anticorpos que atacam determinadas partes do cérebro. A descoberta é controversa, mas abre um novo caminho para o tratamento dessas doenças.
Sarah Galloway, de 25 anos, vive em Gateshead, no nordeste da Inglaterra, e está se recuperando, depois de sofrer um ataque do seu próprio sistema imunológico.
Ela cursava o último ano de Química quando as coisas começaram a dar errado.
‘Comecei a ter alucinações’
“Fiquei mal em poucos dias,” conta.
“Comecei a ter alucinações de que meu corpo tinha se transformado e eu tinha patas de aranha ou orelhas de coelho. Cheguei a ver e até sentir essas mudanças”. “Tinha pensamentos estranhos como os de que alguém estava tentando me matar ou de que eu tinha que matar alguém. Isso fez com que eu me automutilasse”.
Sarah foi logo diagnosticada com transtorno bipolar e tratada com medicação antipsicótica. No entanto, um exame de sangue revelou que havia algo incomum no seu sistema imunológico.
Os anticorpos que deveriam proteger o organismo de Sarah estavam atacando a superfície das células do cérebro dela e alterando suas funções.
Isso mudou o tratamento da universitária, que recebeu drogas para reduzir a atividade do seu sistema imunológico, os chamados medicamentos imunossupressores.
O novo estudo sugere que um em cada 11 casos de psicose pode envolver anticorpos que atacam determinadas partes do cérebro. Os médicos até filtraram o sangue dela para retirar anticorpos problemáticos.
Mudança no tratamento
Belinda Lennox, psiquiatra da Universidade de Oxford, teme que outros pacientes possam estar passando por isso. Ela comandou um grande estudo no Reino Unido: colheu sangue de 228 pessoas que pela primeira vez haviam apresentado uma crise psicótica.
A evidência mais forte é de que anticorpos atacam o receptor NMDA, que ajuda as células do cérebro a se comunicarem.
“Pacientes que estão atualmente sendo tratados nos serviços públicos de saúde mental podem ter esses anticorpos e, potencialmente, podem ser tratados de maneira muito diferente”, disse Lennox à BBC.
“Creio que é realmente um grande avanço para a psiquiatria como um todo. Cada psiquiatra e paciente com psicose precisa saber disso para tratar logo o problema”.
Estudos sobre a imunidade na psiquiatria são uma área nova da medicina e suas descobertas ainda são consideradas controversas pelos especialistas.
Mas a descoberta continua – pelo menos em parte – sendo controversa.
Os cientistas já sabem que, no caso da encefalite autoimune, o sistema imunológico ataca o cérebro, e novamente é o receptor NMDA que está envolvido.
“No entanto, a grande maioria dos pacientes desenvolve outros sintomas como, por exemplo, convulsões ou movimentos anormais”, diz o Dr. Josep Dalmau, da Universidade de Barcelona, responsável pelos avanços no entendimento da encefalite autoimune.
Ele acrescentou:
“Isso normalmente leva os médicos ao diagnóstico da encefalite auto imune”.
“Mas levando-se em conta o número de pacientes internados numa instituição psiquiátrica por muitos meses ou anos, com um transtorno psicótico bem diagnosticado, acredito que a probabilidade de terem estes anticorpos é extremamente baixa”.
Testes clínicos estão sendo feitos para verificar se o incipiente campo da imunopsiquiatria pode realmente beneficiar os pacientes.
Imagem de capa: Shutterstock/yngsa
TEXTO ORIGINAL DE BBC