Quando uma pessoa busca psicoterapia em psicanálise, após a aceitação das condições do tratamento, ela é convidada a falar livremente para “entregar de bandeja” os indícios de seu desejo recalcado. No entanto a descrição do modo como esses indícios são colhidos pelo analista pode nos conduzir na tentativa de responder a pergunta acima, para isso proponho uma reflexão articulando a Estrutura Histérica com a Histeria na prática Clínica tomando alguns traços em especial.
Para tanto se faz necessário uma breve descrição dos aspectos dessa Estrutura clínica, bem como uma reflexão sobre a sensibilidade da escuta do terapeuta nesses casos. Joël Dor (1997,p 66 e 67) descreve a economia desejante do histérico em múltiplos investimentos que ora assumem suposição do pai como tendo o falo, mais precisamente aquele que privou a mãe dessa atribuição, ora o contestando-o (pondo a prova) para reivindicar ter para si o falo objeto ultimo de desejo. Joël Dor (1997,p 69) ainda em relação á privação e a reinvindicação do falo no funcionamento da estrutura histérica: “… ele não pode delegar a questão de seu desejo a não ser àquele que é suposto tê-lo…A identificação dita histérica encontra assim sua origem no princípio dessa alienação”. Todos os traços estruturais fazem valer o dito Freudiano “O Histérico deseja sobretudo que seu desejo permaneça insatisfeito”.
Quando na clínica trabalhamos com a hipótese diagnóstica de uma personalidade histérica, alguns aspectos do discurso ou do comportamento nos impressionam: Parece-me que o discurso desses clientes sofre distorções, as convicções do cliente não encontram respaldo em seus cotidianos vividos, ao contrário, parecem fazer referencia ao discurso de outra pessoa. Tal fato clínico pode ser lido como uma renuncia em dar voz autentica as próprias experiências em detrimento de processos identificatórios alienantes. Também se verifica muitas vezes que o espaço dessa autenticidade encontra-se preenchidos por determinações de auto-sacrifício em relação ao outro, segundo Sampaio Irvina(2014, p 86) essas determinações são imperativos superegóicos cuja raiz é inerente á histeria e seu funcionamento.
Na condução do tratamento, diante dessas contradições do discurso muitas vezes os apontamentos diretos não são escutados, isto é, o cliente relata não ter “entendido” não “escutado” direito. Parece-me correto afirmar que as perguntas, apontamentos e intervenções só se sustentam no estabelecimento da continuidade da cadeia associativa:- As reminiscências das quais os clientes resistem em lembrar.
Talvez uma descuidada sequência de “por quês” ao modo “cético” exponha prematuramente o cliente à falta fálica, impelindo-o a alterar o jogo das identificações. O próprio enredo novelístico desses clientes parece se transformar em função dessas novas identificações, também os culpados, as acusações e as vitimas mudam diante das dúvidas suscitadas pela terapia; A personalidade histérica é cética sob muitos aspectos, pois muito bem desconfia que a dúvida persistente faça desabar qualquer militância excessiva em favor do outro e, portanto qualquer narrativa envolvendo vítimas e culpados etc. Talvez também as coisas se compliquem na medida em que vários fatores impeçam que a inteligência desses pacientes alcancem o nível abstrato, pleno, e universal do questionamento.
Em se tratando de benefícios relacionados ao modo de se conduzir a terapia, tomando-se o cuidado de elaborar intervenções que não atropelem o ritmo das rememorações, poderíamos refletir sobre a aquisição da capacidade desses clientes suportarem uma dúvida ampla em relação às pessoas, a sociedade e a cultura. Também por isso mesmo poderíamos imaginar o superego tendo sua capacidade acusatória suspensa pelo simples “beneficio da dúvida” cuja abrangência incorpora agora facetas obscuras da personalidade.
Dor, J. Estruturas e Clínica Psicanalítica. Rio de Janeiro: Taurus, 1997. 124 p.
Sampaio, I. As Incidências do Supereu na Clínica da Histeria. 2014.130f. Dissertação. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2014.