Pronto, foi. O Brasil escolheu. Mas acabadas as falas de palanque, finda a propaganda eleitoral, postas na gaveta a maioria das promessas feitas de parte a parte, um propósito muitas vezes repetido permanece nos meus ouvidos insistente como um zumbido. Esse propósito é: “a defesa da família brasileira”.
Pergunto-me que família brasileira é esta que tanto queremos defender.
Certamente não há de ser aquele tipo de família, mais comum a cada ano, onde só a mulher, sem pai presente, provê aos cuidados dos filhos, quando não dos filhos e netos. E que, por estar apoiada num único suporte, costuma estar entre as mais pobres.
Se em 2007, de acordo com o IBGE, as famílias monoparentais femininas, eram 17,4%, e se em 2009, o IPEA nos informou que seu número havia aumentado para 17,34%, podemos ter certeza de que oito anos depois demos um belo salto para a frente.
Também não há de ser aquela família que tem por chefe a mulher, mesmo não sendo monoparental. No Censo Demográfico de 2010 eram 38,7%. Mas já em 2015 haviam passado para 40%.
Será aquela família que sobreviveu à grave ameaça do projeto divorcista de Nelson Carneiro? Na década de 50 as mesmas promessas de salvação se erguiam a qualquer murmúrio da palavra divorcio. E o divorcio acabou sendo legalizado, para alívio de tantas famílias que viviam atadas por um casamento com prazo de validade vencido. Contrariando as previsões, os alicerces da sociedade brasileira não se abalaram.
Já antes disso, a separação ia implodir a sagrada família brasileira. Lembro claramente do meu amigo, o ator Eduardo Dolabella me contando como, no concorridíssimo chá dançante do Fluminense, as mães proibiam suas filhas de dançar com ele, apenas por ser filho de mãe separada. A separação era ameaçadora como um vírus.
A família que queremos salvar pertence ao século XIX, é um retrato na parede, um fantasma desbotado. E já foi progressivamente desmontada nos séculos XX e XXI. Mais que desmontada foi, como os automóveis ou as máquinas de escrever, substituída por novos modelos.
A modernidade impôs diversas fórmulas. Ao contrário do passado, quando a sociedade escolhia e os cidadãos tinham que se adequar, agora os cidadãos escolhem, e a sociedade trata de aceitar. Aos olhos da lei e do mercado — sim, o mercado tem parte importante no negócio — tudo é família.
O que os políticos prometem salvar, sob os aplausos das massas, é a nostalgia de uma família que nunca existiu. Olhamos as fotos dos avós, a parentada toda reunida para celebrar o momento sagrado da foto, e fantasiamos uma felicidade que não acontecia. Exatamente como hoje nas famílias plurais geradas por múltiplos casamentos, havia momentos de felicidade, não mais do que isso. O resto da vida era ocupada por repressão, amores secretos, desejos refreados, e lutas internas pela supremacia e pelo afeto.
A família brasileira vai muito bem, trafegando a contento entre seus múltiplos modelos. Não à toa a novela do horário nobre chega ao fim com a formação de um poliamor entre duas mulheres e um homem.
Não é de fantasias passadistas que a família precisa. Defendê-la, é dar a cada um dos seus membros, seja qual for o modelo, um atendimento de saúde eficaz. Defendê-la, é garantir uma educação de qualidade, único meio de elevá-la na escala social.
Por Marina Colasanti, em seu site.
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