Quando a agressividade se torna um estilo de vida

Por Luciana Kotaka

 

Apesar de família ser romanticamente descrita como um ambiente seguro, sabemos que não é a realidade de uma boa parcela da população. Partimos da ideia de que um filho será recebido com muito amor e que será protegido, acolhido e compreendido. Essa ideia é a mais lógica partindo do princípio de que grandes partes dos casais optam espontaneamente por gerar uma criança. Porém escapa da percepção e compreensão que em muitos casos é necessário se livrar da roupagem antiga para criar uma nova família, isso é, agir diferente com seus filhos, dar a eles uma criação diferente da recebida quando a experiência de vida lhes foi agressiva.
Refiro-me aqui às crianças desprotegidas e que hoje são pais, que de alguma forma repetem com os filhos o desamparo a que foi exposto, negligenciando a própria dor e perpetuando nos filhos os mesmos comportamentos, gerando sentimentos de tristeza e dor que um dia os feriram. É muito comum no consultório eu atender pessoas que são muito agressivas verbalmente, dizem o que pensam e não avaliam o estrago que podem produzir.
Não cabe a ninguém julgar os porquês dessas situações, mas sim entender que sob o falso pretexto de agir como se tem vontade, pode ser uma forma de se defender do outro. Talvez eu precise lembrá-lo de que a agressão é uma forma de defesa, assim como um tigre ruge para um elefante do qual se sente ameaçado. O poderoso elefante é muito mais forte, então não resta opção ao tigre a não ser mostrar os dentes para tentar se proteger.
A defesa faz parte do comportamento animal e do ser humano, mas o que chama a atenção é quando ser agressivo se torna um estilo de vida como:
“Falo o que penso e sou assim, se não gostou o problema é seu”.

A busca pelo equilíbrio é a forma mais assertiva de aprender a ficar bem consigo mesmo e conviver com o outro, devemos entender e separar o que nos afeta e buscar formas de resolver o que nos incomoda. Não podemos ser tão elefantes e sair pisando no outro, nem tão tigres para sair rugindo, mas quem sabe se parar para olhar e entender o próprio desamparo, para os medos, possa se entender melhor e não permitir que essas vivências direcionem sua vida, seus comportamentos.
Sair atirando flechas em todas as direções farão com que errem o alvo, perdendo assim familiares, amigos, parceiros de trabalho, namorados, que se bem adequados não aguentarão ser alvo de flechadas.
Assusto-me com situações onde me deparo com flechas perdidas, que não deveriam chegar até mim, mas tentam me acertar. E te pergunto: Você já recebeu flechada de graça por aí? Claro que sim. Isso acontece o tempo todo, é só lembrar-se de um comentário azedo de um colega de trabalho, do atendente da loja que te deu uma invertida, do amigo que estava em um dia ruim e foi grosseiro com você.
A grande questão é que ser livre não é sair vomitando opiniões, jogando no outro as próprias frustrações. Dessa forma irá contaminar mais ainda o seu em torno e te pergunto: está conseguindo ser feliz com esse estilo de vida?

TEXTO ORIGINAL DE ESTADÃO

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