“Quer calar a boca?”: a importância de desfrutar de duas horas de silêncio por dia
Girl (3-5) holding finger to lips, indicating 'quiet'

Por Ana G. Moreno

 

Situada a menos de um quilômetro da Quinta Avenida, em Nova York, a taberna Burp Castle tem um cartaz que diz: “Proibido gritar. Apenas sussurros”. O nível das conversas no local não ultrapassa os 39 decibéis (como um bom aparelho de ar condicionado). No outro extremo do mundo, um especialista na cerimônia do chá da Escola Urasenke, em Kyoto (Japão), se entrega ao ritual em total silêncio: “Ninguém fala, ninguém domina”. E no meio da floresta finlandesa, a jornalista espanhola Marta Caparrós, que ganhou uma bolsa para lá escrever seu segundo romance, está prestes a fazer algo inédito em sua vida anterior em Madri: sair para passear por um momento sem colocar os fones de ouvido.
O cansaço mental
O silêncio pode parecer um capricho inalcançável. Numa sociedade de debatedores de televisão gritões, na qual se compete para encher as casas de telas e a timidez é injustamente associada a temperamentos fracos e pusilânimes, abaixar o volume não está na moda. E pagamos uma conta muito alta por isso. “A poluição sonora está relacionada com surdez, problemas de sono, doenças cardiovasculares e distúrbios digestivos. Sabe-se também que os jovens que vivem num ambiente ruidoso têm sua capacidade de memória e de aprendizagem alterada”, afirma Pablo Irimia, neurologista e membro da Sociedade Espanhola de Neurologia (SEN).

PARA VIAJANTES
Um dos mais belos lugares em que é possível encontrar calma na Finlândia é Kimito, uma ilha com 7.000 habitantes, onde ouvir um grito é algo digno de Arquivo X. Uma cerveja no meio da tarde com vista para o mar Báltico é um dos repousantes prazeres oferecidos pela Finlândia. Em Kimito, um bar obrigatório é o Krogen Eugenia. Se a fome apertar, peça sopa de salmão.

A OMS publicou um relatório em 2011 que revelou que 3.000 das mortes ocorridas naquele ano na Europa Ocidental por doença cardíaca tinham relação com o ruído excessivo. Na Espanha, 22% da população está em situação de risco por causa da carga de decibéis (acima de 65 é considerado perigoso), de acordo com a organização. Já em 1859, a enfermeira britânica Florence Nightingale escreveu o seguinte em um documento recompilado pelo historiador Hillel Schwartz em seu livro Making Noise: From Babel to the Big Bang & Beyond [Fazendo Barulho: de Babel ao Big Bang & Mais Além]: “O ruído desnecessário é a ausência mais cruel de cuidado que se pode infligir a uma pessoa. O ruído repentino é inclusive uma causa de morte entre os pacientes crianças”.

Mas o silêncio tem algum efeito positivo sobre o organismo, além de garantir a ausência de furadeiras e motores? O médico e pesquisador Luciano Bernardi foi um dos primeiros a responder afirmativamente a essa questão, com um estudo publicado na revista Heart. “Estávamos investigando os efeitos de diferentes tipos de música nos sistemas cardiovascular e respiratório e introduzimos pausas de dois minutos entre os trechos das canções. Então vimos que os indicadores de relaxamento humano disparavam durante esses episódios, muito mais do que com qualquer música ou durante o silêncio anterior ao início da experiência”. O efeito positivo do silêncio, por conseguinte, funciona por contraste.

Ruído ruim, silêncio bom?

Segundo o pesquisador e neurologista Michael Wehr, da Universidade de Oregon, nossos neurônios se acendem durante a quietude, de modo que o cérebro a está reconhecendo, “não o vive como uma ausência de inputs”. Na mesma linha raciocina a cardiologista e neurologista Imke Kirste em seu trabalho Is Silence Golden? [O Silêncio É de Ouro?], publicado em 2013 na revista Brain Structure and Function. A pesquisa, realizada somente com camundongos, mostrou que o silêncio, em maior nível do que qualquer melodia, provoca neurogênese (nascimento de novos neurônios). Se sua diminuição no hipocampo leva à doença de Alzheimer, como apontam muitos especialistas, o silêncio e o retiro poderiam ser uma maneira de tratar a doença.

O neurologista Pablo Irimia aconselha, no entanto, muita prudência a esse respeito (“a partir da adolescência, a neurogênese é tão limitada que tem pouco valor”), mas aponta duas evidências indiscutíveis: o silêncio facilita o controle da pressão arterial (reduz o risco cardiovascular, prevenindo, assim, doenças cardíacas e acidentes vasculares cerebrais) e predispõe aos benefícios de uma vida reflexiva. “O pensamento profundo e meditado gera novas conexões entre os neurônios. Ou seja, uma vida intelectual ativa, que exige concentração e, portanto, silêncio, desempenha um papel protetor em distúrbios neuronais. Por exemplo, sabemos que um alto nível de escolaridade está associado a um menor risco de sofrer da doença de Alzheimer”, diz o neurologista, que aconselha uma rotina pouco barulhenta e pontuada por momentos de silêncio.

“Não é preciso se isolar completamente. Basta viver uma vida normal, com especial atenção para a calma. Na verdade, nenhum cérebro humano aguenta o silêncio total. Existem câmaras anecóicas que reproduzem, no ambiente médico, o que há de mais parecido ao silêncio absoluto, e ninguém consegue ficar mais de 40 minutos dentro delas, porque o cérebro está sempre à procura estímulos e se não os encontra fora, amplia o ruído do coração, dos intestinos”, continua o cientista.

Viagem ao país onde ninguém grita

Silêncio é ler, pensar com frequência, não se deixar levar, parar caso necessário. Mas o silêncio também é ouvir (quando se faz para aprender) e colocar na linha de fogo a reflexão silenciosa. “O zen vai por aí. Sentir essa calma em todo o seu corpo e experimentá-la a cada dia”, ilustra o monge Roshi Gensho Hozumi, do templo Tekishinjuku (Japão), no documentário In Pursuit of Silence [Na Busca do Silêncio] (Patrick Shen, 2015). O filme como o estudante norte-americano Greg Hindy cruza os EUA em voto de silêncio, de Nashua a Los Angeles, sobressaltado pelo ritmo demoníaco que os avanços tecnológicos impunham a ele e procurando se conectar “com uma realidade emudecida”.

O apito constante de um grupo do WhatsApp não é, por acaso, um ruído? Depende. “O som é um fenômeno físico que atinge o ouvido. Este o envia para o cérebro e o identifica. Quando se torna ruído? Quando se intromete naquilo que estou tentando fazer e assume a forma de som desagradável não desejado”, responde a doutora Arline Bronzaft, psicóloga ambiental, no documentário norte-americano. Agora, seja sincero: o seu celular emite ruídos ou sons?

Das nossas decisões cotidianas dependerá que nos encharquemos, ou não, do poder do silêncio. Gestos como apoiar os avanços no noise (sim, existem pessoas pesquisando em secadores de cabelo sigilosos), desligar o smartphone ou escolher onde passar as férias podem ser cruciais. E países como a Finlândia reivindicam seu espaço nessa tarefa. Em 2010, um punhado de especialistas em marketing se reuniu num restaurante em Helsinque para pensar como tornar atraente para os visitantes um país médio e remoto, eclipsado pela vanguarda de vizinhos como a Suécia ou pela grandeza histórica da Rússia. E descobriram um elemento que até então ninguém tinha ousado vender como recurso natural: o silêncio.

O pensamento profundo e meditado gera novas conexões neuronais. Sabe-se que uma vida intelectual ativa, que exige concentração e, portanto, silêncio, desempenha um papel protetor em relação ao Alzheimer. Não é preciso se isolar completamente. Na verdade, nenhum cérebro humano aguenta o silêncio absoluto. (Pablo Irimia, neurologista e membro da SEN)

Nem a exuberância de suas florestas, a escuridão hipnótica dos seus lagos, as pequenas saunas que salpicam suas encostas (abertas ao público… sem nada de roupa, isso sim), o design funcional de suas acolhedoras casas ou o cheiro de peixe fresco na Praça do Mercado de Helsinque podem competir com a atração de um país calado, tímido, pensativo, que não por isso é hostil, mas muito pelo contrário. Noora Vikman, etnomusicóloga da Universidade da Finlândia, que assessorou o Instituto de Turismo em sua campanha sobre o silêncio, conta por e-mail desde um retiro silencioso na região da Lapônia: “Vir para a Finlândia é descobrir pensamentos e sentimentos que não são audíveis numa vida agitada. Se você quiser conhecer a si mesmo você tem de estar consigo mesmo, discutir com você mesmo, ser capaz de falar com si mesmo”.

Além disso, em seus arquipélagos quase desertos (sua população é semelhante à da Comunidade de Madrid, cerca de 6,4 milhões de pessoas, mas espalhadas numa área 42 vezes maior), com bicicletas destroçadas encostadas na porta e poucos bares (ou nenhum) nos arredores, a Finlândia abraça o silêncio no próprio centro da capital, um enclave movimentado de lojas, com um palco para música ao vivo, onde tocam grupos de rock incapazes de atravessar com suas guitarras um edifício próximo, a Capela do Silêncio, um templo não religioso com isolamento acústico, onde se pode prestar homenagem à ausência de palavras. Depois você pode sair para ouvir os acordes do Iron Maiden, pois duas horas de silêncio por dia é a recomendação do professor Michael Wehr para um hipocampo satisfeito. Na Finlândia, você atingirá essa marca com folga.

Outros lugares com nível de ruído baixo, de acordo com o guia de viagem Lonely Planet, são o mosteiro Kartause Ittingen (Suíça), a ilha de Iona (Escócia) ou o parque de Kielder Forest (Reino Unido). Mas lembre-se de que, talvez pela primeira vez, cientistas e místicos concordam: o silêncio é, principalmente, uma atitude. Portanto, convém exercê-la com inteligência. Como escreveu o poeta e ativista americano Paul Goodman, nem todas as suas formas acrescentam. “Se existe o silêncio fértil da consciência, daquele que ouve e compreende quem lhe fala ou o da viva percepção alerta, também existe um tolo e apático, e outro de cheio de censura e ressentimento que vocifera sem palavras e não se atreve a abrir a boca”. Fique longe deles.

TEXTO ORIGINAL DE EL PAÍS






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