Por Letícia Mori
Os administradores do perfil do cemitério Jardim da Ressurreição no Facebook já se acostumaram a responder pessoas perguntando se o lugar é real ou se a página é de humor.
O local é real – foi fundado há 30 anos, tem 11 hectares e fica em Teresina, no Piauí – mas as postagens podem de fato confundir um leitor desavisado.
Cheias de humor, elas usam memes para tentar falar da morte de um jeito mais leve.
A primeira postagem a incluir uma piada mais ousada tinha um potinho com glitter e a legenda: “eu, quando for cremada”. Foi feita em comemoração à aprovação do casamento gay nos EUA, em 2015, e compartilhada centenas de vezes. E recebeu curtidas de gente do Brasil inteiro.
Surgiu depois da empresa que cuidava da divulgação do cemitério desistir de fazer postagens mais sérias, com mensagens reflexivas, e vender para a companhia – que também possui uma rede de funerárias – a ideia de de usar memes.
“A gente não estava conseguindo engajamento, então decidimos correr um risco calculado. Deu certo”, diz Onildo de Castro Moura Filho, de 37 anos, que criou a estratégia de marketing para a CJ Flash, empresa que administra o perfil no Facebook.
Hoje a página tem mais de 100 mil curtidas e ganhou um apelido de seus fãs: “cemi”. E a maioria dos que curtem o cemitério na rede social é de jovens de fora de Teresina.
No momento em que esta reportagem foi publicada, por exemplo, a imagem de capa da página trazia a imagem de um portão e a mensagem “Bem-vindo à Cidade dos Pés-Juntos”.
“É muito difícil fazer marketing de qualquer coisa relacionada à morte. Então o objetivo nem é vender jazigo, é quebrar o tabu da morte, mostrar que é algo que faz parte da vida”, diz ele.
As vendas, no entanto, aumentaram: em 2016, a venda de jazigos foi 56% superior à do ano anterior.
Algumas brincadeiras falam sobre a cremação (“tem gente que é tão especial que dá vontade de guardar num potinho”), outras fazem piadas com músicas pop do momento (o hit Despacito vira “Despachito”).
A página também já gerou controvérsia – tem gente que não levou as postagens na brincadeira.
“A gente sempre faz de tudo para que não seja desrespeitoso com quem perdeu um ente querido e explica o objetivo”, responde Moura Filho.
Na tentativa de achar o equilíbrio, o cemitério já cometeu alguns erros – acabou pedindo desculpas e apagou as postagens.
Entre eles, o uso de uma foto de uma estátua que os seguidores acharam muito sexualizada e uma piada com motoboys.
“Temos uma série de minimortes, coisas que dá vontade de morrer quando acontece. Por exemplo, quando você tenta passar o cartão de crédito e ele está sem limite”, conta Moura Filho.
“Aí fizemos uma sobre o medo que algumas pessoas sentem de gente na moto com capacete – na época alguns ladrões estavam usando motocicletas para roubar e o capacete para esconder a identidade. Os motoboys não gostaram. Não foi nossa intenção ofender, mas a gente viu que realmente era melhor tirar”, explica.
Hoje em dia os próprios seguidores defendem a página se alguém não gosta das brincadeiras. Criaram até um grupo, o Fandom do Cemi, onde compartilham piadas que o cemitério achou pesadas demais para sua página principal.
E será que dá para aplicar esse case em outro negócio do gênero?
“Alguns clientes pedem uma página ‘igualzinha’ à do cemitério, mas não é sempre que dá para fazer. Se a empresa já tem uma identidade, não dá para simplesmente virar uma zoeira de um dia para o outro”, diz Moura Filho.
TEXTO ORIGINAL DE BBC
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