Por Ana Macarini para ContiOutra
Há limites e limites. Quantas vezes não chegamos à nossa capacidade máxima de suportar um mau trato, uma indiferença, uma agressão velada? Quantas vezes já chegamos à situação de não ter mais absolutamente nada para dar e, mesmo assim, nos deparamos com o outro a esperar de nós mais uma prova, outra necessidade a ser suprida, outra urgência que não pode esperar?
Ahhhh… sim, e a culpa é inteiramente nossa, caso não tenhamos a capacidade de colocar pontos finais onde já não cabem mais “pingos nos is”. A questão é que chega uma hora em que, ainda que não sejamos capazes de encerrar os ciclos, as nossas fontes de energia vão acabar se esgotando. E, ainda que sejamos teimosos o suficiente para continuar funcionando no “stand by”, uma hora ou outra a gente vai ficar tão seco, tão vazio que não haverá mais jeito de deixar pra lá.
Tristezas não reconhecidas vão deixando a gente com pequenas sequelas afetivas que acabam por aflorar no corpo, a fim de que não tenhamos mais como ignorá-las. Os músculos ficam tensos, a respiração perde o compasso, os batimentos cardíacos ficam alterados. E essas reações físicas atingem os nossos pensamentos em cheio, fazendo-nos ficar em estado de alerta. A nossa incapacidade de estabelecer linhas de limitação aos abusos vai criando por debaixo das inúmeras camadas de insatisfação, abandono e tristeza um sentimento de raiva.
A raiva é aquela coceira insuportável num ponto das costas que a gente não alcança. A raiva é aquele amargor no peito que precisa vazar para fora de alguma forma, antes de nos envenenar. A raiva deixa a gente fora do eixo; tudo irrita além do normal; nada parece satisfazer. A raiva mina a alegria, rouba o prazer das pequenas, médias e grandes coisas. A raiva azeda a vida.
Quando estamos encharcados de raiva, sentimos alguns poderes momentâneos; somos acometidos por inesperados rompantes de coragem e alguns pensamentos perpassam por nossas mentes, fazendo-nos crer que realmente não dá mais, que já deu, que não é possível adiar uma atitude. Só que a raiva é fogo de palha. No fim, a gente acaba rosnando, mas não arranja força para largar aquele osso que até já se esfarelou entre os nossos dentes cerrados de rancor.
Inúmeras vezes ficamos “raivosos” por não sermos hábeis o suficiente para interpretar uma tristeza. Outras vezes, esse comportamento irritadiço e impaciente pode estar servindo de máscara para uma tremenda insegurança em nossa própria força para mudar o que não nos serve mais. Ainda, em outras circunstâncias, é a culpa que nos faz eriçar os pelos e cobrir as feridas com espinhos de proteção.
A agressividade, em incontáveis casos, é apenas o disfarce para um esgotamento emocional. A gente precisa arranjar um jeito de aprender a reconhecer que fragilidade e fraqueza não são a mesma coisa. A gente precisa descobrir uma forma de se perdoar por não ter mais o que ofertar. A gente precisa respirar num ritmo possível e parar de arrancar a casquinha de um ferimento que vem lutando há muito tempo para cicatrizar.
Que hoje seja esse dia! O dia em que nos foi destinada a libertação de tudo o quanto nos faça ser alguém que não conseguimos mais reconhecer. Que hoje, ao deitarmos nossas cansadas cabecinhas no travesseiro sejamos capazes de tomar a corajosa decisão de cortar fora o que nos fere, sem mágoa, sem rancor, sem medo de ficar a sós com a nossa misteriosa e própria pessoa. Que hoje a nossa tristeza seja permitida para que possa, enfim, ter a chance de ser compreendida, apaziguada e começar a ser curada.
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