PSICOLOGIA CLÍNICA

Relação terapêutica: mitos e desafios

Por Mariana Poubel

Quando um paciente chega ao nosso consultório, ao abrirmos a porta, mesmo antes de trocar qualquer palavra já passamos a ter uma primeira impressão dele e ele de nós. Afinal, a imagem, a vestimenta e a postura não verbal já trazem a nós e levam a ele, uma série de informações que podem ou não ser corroboradas ao longo do processo terapêutico.

Terapeutas sejam eles mais jovens ou mais experientes têm suas próprias experiências, reforços, punições, motivações e expectativas e o primeiro desafio em um atendimento clínico é a discriminação dessa experiência pessoal para a experiência do cliente. Não temos como apagar a nossa história, mas temos e devemos ter um olhar crítico para o que aflora em nós. Nossas emoções, pensamentos e intervenções. Com essa atitude, deixamos de lado as nossas concepções, os nossos objetivos para analisarmos com o paciente a clareza e viabilidade dos objetivos dele.

Chegamos no momento verbal da terapia, momento em que grande parte do seu processo se dará. Mas aqui também se faz essencial a análise do contexto, pois não necessariamente uma verbalização condiz com o que o paciente tem feito e está disposto a fazer. Esse pode ser um primeiro mito de quem procura terapia. Algumas vezes o paciente procura quase uma mágica, onde todo o contexto mudará, com pouca ou nenhuma mudança e esforço comportamental da sua parte.

É como se o ato de ir ao psicólogo mudasse tudo por si. Tal ocorrência se mostra muito presente de forma particular em terapia infantil, onde os responsáveis muitas vezes veem a queixa apenas focada na criança, sem um olhar que os inclua em parte desse processo. Cabe ao profissional o esclarecimento gradativo e empático da necessidade de um trabalho conjunto e contínuo para o alcance das metas propostas.

Outro ponto essencial do trabalho de um terapeuta comportamental se refere à análise e discriminação da função que o comportamento dito como queixa apresenta no contexto de vida daquele paciente. Ou seja, nosso olhar precisa reunir dados históricos e atuais, tanto do ambiente quanto dos comportamentos do nosso paciente, permitindo a contextualização dos objetivos terapêuticos. Nossa classificação não pode ser meramente pela forma que a queixa se apresenta e sim pela sua função. Portanto, aqui questionamos um segundo mito, em relação a terapias comportamentais ou cognitivo-comportamentais, que são julgadas como sendo terapias apenas voltadas para um sintoma.

Um mito ainda presente na nossa cultura é o que se refere aqueles que buscam terapia como sendo anormais, doentes ou loucos. Para terapeutas em geral, de forma particular para analistas do comportamento, tais afirmações não devem fazer sentido. Afinal, entendemos que todos os comportamentos, sintomas e diagnósticos têm um sentido, uma explicação e uma determinação dentro de um contexto. E mais, se olharmos um comportamento de forma estática, sem a possibilidade de mudança, o próprio processo terapêutico acaba perdendo muito do seu sentido.

Outro mito se refere à possibilidade de descrição e análise de sonhos por terapeutas comportamentais. Em geral, tanto terapeutas de outras abordagens quanto pacientes não sabem que tal assunto é também descrito e mencionado. O sonhar pode ser utilizado no setting terapêutico, mas sem um significado diferenciado e mais profundo. Trata-se de apenas mais uma forma de descrição de comportamentos, que tem plena relação com a história do indivíduo, suas privações, reforçadores e emoções. Portanto, não é visto como mais importante do que qualquer outro relato trazido pelo paciente. Segundo Skinner (1974) “(…) Sonhar é um comportamento perceptivo e a diferença entre o comportamento durante a vigília e durante o sono, quer seja em cenário relevante, quer fora dele, constitui simplesmente uma diferença nas condições de controle” (p. 75).

Ao longo do nosso exercício profissional podemos nos deparar com esses ou outros mitos e desafios, mas quando bem amparados teoricamente, nos tornamos cada vez mais consistentes com nossa prática. Isso nos permitirá relações terapêuticas mais atentas, empáticas e sólidas, bem como nos traz a possibilidade da transmissão do conhecimento para o público em geral ou para outros profissionais.

Imagem de capa: Shutterstock/Pretty Vectors

TEXTO ORIGINAL DE COMPORTE-SE

Referências Bibliográficas

Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

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