Por Maria Dilma Campo Burkle
É muito comum que a base dos relacionamentos de casais estabeleça-se sobre uma distorção da realidade, sem que disso se tenha consciência. A demanda que fica é: “Não me sinto inteira (o), sou incompleta (o) enquanto pessoa”, e daí vem uma extrema necessidade de se encontrar a outra metade.
Metaforicamente, sendo metade de algo que nem sei direito o quê ou quem, o senso de identidade e auto-estima fica prejudicado. Disto resulta colocar nessa metade faltante, expectativas e exigências para dela obter a comprovação de que existo e mereço amor, segurança, felicidade, etc.
Este é o cenário no qual verdadeiros dramas acontecem, no palco chamado vida, onde todos atuam seus personagens, uma grande ficção com direção própria, produzida e enviada diretamente do inconsciente.
Às vezes rindo, outras chorando, sendo protagonista ou telespectador da história de Cinderela, adaptada ao século XXI, a situação se repete: “Se me amasse de verdade, faria tudo por mim!”. E assim, as condições são impostas e nem sempre verbalizadas. O outro até deve adivinhá-las, igual mamãe que já sabia e gratificava ou não, todos os meus desejos. Abraços, beijos, elogios, acompanhar-me nos meus interesses, afirmar e reafirmar seu amor o tempo todo.
Supondo que haja amor, sufoca com tamanhas exigências. Passa a ser tremendo encargo sobre os ombros do outro, que também tem suas próprias questões. Também o inverso costuma ocorrer: “Eu o amo, vivo para satisfazê-lo, sem ele não sobrevivo, falta o ar e o chão sobre o qual me apoio, não posso perdê-lo, portanto me anulo pois sou apenas extensão do outro”.
As configurações e interações que a dimensão emocional humana compõem, fornecem o material para infinitas criações imaginárias e, quase sempre, são atuadas em fatos reais. Todos nós reconhecemos esses conflitos. Em proporção variável, somos agentes de prazer e felicidade do outro, ou este outro acaba sendo o nosso objeto de prazer e felicidade. Revendo nossas histórias, compreendemos os porquês.
Compartilhamos a experiência de desamparo e, nesse enredo, existe a dependência de um outro que nos garanta a sobrevivência. Sendo esse outro o representante da falta que é deslocada e reeditada nas vivências emocionais atuais com nosso parceiro, a ele delegamos o papel que foi um dia o da mãe. Pobre dele e pobre de nós! Crianças brincando de serem adultas, vivendo em um mundo de “faz de conta”.
TEXTO ORIGINAL DE SOCIEDADE PAULISTA DE PSICANÁLISE
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