Ana Pires

Religiosidade e Espiritualidade na Dependência Química

Historicamente a religiosidade é definida pelo senso comum como “ópio do povo”, porém tem ganhado nos últimos anos espaço na literatura e estudos científicos. Na dependência de drogas a religiosidade/espiritualidade tem tido influência na recuperação mostrando atuação relevante em saúde e assistência social, suscitando nas comunidades cientificas mais pesquisas não só do tema mas, principalmente na compreensão do mecanismo que atua favorecendo uma recuperação com maior sucesso.

Religiosidade e espiritualidade, embora as vezes sejam usadas como sinônimos, são multidimensionais e possuem características especificas. A espiritualidade é definida pelos indivíduos por si mesmos, de forma individual e pessoal, livre de regras religiosas e reflete a busca por explicações acerca da condição humana. A religiosidade por sua vez é definida com prática e envolvimento com uma religião específica, envolvendo crenças, práticas e rituais com o “transcendente” definido como Deus ou outras divindades.

Entre adolescentes que praticam alguma religião há uma taxa menor de consumo de drogas, pois estes jovens desenvolvem a habilidade de auto regulação e fortalecem resiliência diminuindo assim a exposição a fatores e comportamentos de risco. Estes comportamentos perdem força por estarem em desacordo com normas estabelecidas e por não serem praticadas ou estimuladas pelo grupo de iguais.

Pesquisadores supõe que a religiosidade/espiritualidade controlam, indiretamente, o primeiro uso de droga por ação direta da estrutura familiar, pois é consenso de acordo com estudos, que pessoas que se declaram religiosas consomem menos droga, incluindo álcool e tabaco.

No tratamento em dependência de drogas as igrejas brasileiras tem assumido três linhas de ação:

1- Grupos religiosos de mútua-ajuda;
2- Frequência a cultos religiosos;
3- Desenvolvimento de religiosidade/espiritualidade, oferecido em Comunidades Terapêuticas.

Apesar disso, estes grupos tem sido pouco estudados para avaliação e eficácia. Vale a pena ressaltar que se observa um forte impacto da religiosidade/espiritualidade no tratamento da dependência química, sugerindo que este vínculo facilite a recuperação e diminua as recaídas.
Os principais mecanismos propostos pelos quais a espiritualidade/religiosidade atuam como proteção ao uso de drogas seriam:

1- Normas e condutas definidas e postura contra o uso de drogas;
2- Famílias propensas a dar exemplo de não uso de drogas;
3- Suporte social;
4- Círculo de amigos não usuários;
5- Pertencimento a um grupo coeso e acolhedor;
6- Fé e crença em um poder superior;
7- Oração e êxtase espiritual como fontes de prazer.

É em razão da atmosfera de acolhimento dos grupos religiosos que o adepto se sente impulsionado a continuar no grupo. Na fase inicial os indivíduos não são atraídos pela religiosidade/espiritualidade mas pelo acolhimento e identificação com a proposta do grupo, esta será desenvolvida em uma segunda fase, após adaptação ao programa do grupo. Inúmeras pesquisas demonstram que pessoas isoladas vivem pior do ponto de vista psicológico e físico, apontando a importância da rede social.

Atualmente, a associação entre religiosidade/espiritualidade e a recuperação de doenças é consenso. A questão mais profunda diz respeito ao mecanismo pelo qual a fé e busca pela religiosidade/espiritualidade determinam mudanças comportamentais e orgânicas.

A fé é uma emoção positiva, no entanto esta emoção em um indivíduo depende de fatores culturais, experiências de vida e reflete a crença em Deus e seus poderes. É interessante que o médico recomende um envolvimento religioso no processo de recuperação de seu paciente, caso este se mostre aberto para tal.

Porém, temos que apontar possíveis aspectos negativos da religiosidade/espiritualidade na saúde de alguns fiéis, tais como fanatismo religioso, crença na punição divina e na doença como um castigo a algo que precisa ser “suportado” para purificação. Estas crenças podem afastar o indivíduo do tratamento, pois ele acaba aceitando sua situação acreditando que o sofrimento é natural para a redenção de seus pecados, prejudicando o tratamento e possível cura.

Fonte de pesquisa: O tratamento do usuário de crack – Marcelo Ribeiro/Ronaldo Laranjeira
Ana Pires

Psicologa Clinica com atuação em Dependência Química/ Saúde do adulto e Idoso , CRP/RS 07/19046

Recent Posts

Veja esta série na Netflix e ela não sairá mais da sua mente

Esta série que acumula mais de 30 indicações em premiações como Emmy e Globo de…

19 horas ago

Filme premiado em Cannes que fez público deixar as salas de cinema aos prantos estreia na Netflix

Vencedor do Grande Prêmio na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2024 e um…

20 horas ago

Série ousada e provocante da Netflix vai te viciar um pouco mais a cada episódio

É impossível resistir aos encantos dessa série quentíssima que não pára de atrair novos espectadores…

2 dias ago

Influenciadora com doença rara que se tornou símbolo de resistência falece aos 19 anos

A influenciadora digital Beandri Booysen, conhecida por sua coragem e dedicação à conscientização sobre a…

2 dias ago

Tatá precisou de auxílio médico e passou noites sem dormir após acusação de assédio, diz colunista

"Ela ficou apavorada e disse que a dor de ser acusada injustamente é algo inimaginável",…

3 dias ago

Suspense psicológico fenomenal que acaba de estrear na Netflix vai “explodir sua mente”

Será que você é capaz de montar o complexo quebra-cabeça psicológico deste filme?

3 dias ago