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Resgatando o filho da boca do Jacaré

Vendo a cena fotografada, em que a mãe deliberadamente esquece o filho na calçada enquanto assuntos mais interessantes lhe parecem merecer atenção ao celular. Fico me indagando a respeito da natureza das relações dita “ racionais”. Refiro-me a qualidade dos relacionamentos e em especial a que deixamos de legado aos nossos filhos. E por fim, quem somos, em nosso modelo social.
Quem já não se deparou com notícias de algum ato de heroísmo praticado por uma mãe cuja abnegação de si mesma tenha salvado a vida de seu filho? Pais que tiram o filho da boca de um crocodilo, a exemplo do caso na Florida, amplamente divulgado em meios de comunicação. Mas, poderia ser, quando seu filho pequeno caiu em um poço, situado na propriedade da família, ou tantos outros casos que tomamos conhecimento ou permanecem somente na memória dos familiares.
Lembro de uma vez em que percebi que a criança estava se afogando na piscina, seus pais não estavam no clube árabe, estávamos somente nós, adolescentes. Eu pulei na piscina e consegui com massagens recuperar o ar para que o menino pudesse voltar a respirar e assim seus pais chegaram.
Poderíamos continuar exemplificando casos até a exaustão, fato é que, há sutilezas que não são notícias, tampouco dão manchetes em jornais. Nossos relacionamentos diários com nossos filhos. Toda mãe humana é dedicada? Ok, as que são acometidas por psicopatia obviamente que estariam a margem. Mas, tirando as evidencias, o que nos torna humanos? O que nos diferencia das mães animais “irracionais” se elas podem provar que são zelosas e estão dispostas a qualquer coisa para proteger seus filhos?
Quem não se lembra do lendário Tarzan, o herói criado por chimpanzés?
Para muitos de nós é estarrecedor o fato de que alguns pais, serem tão indiferente a formação intelectual, emocional e social de seus filhos. Mas, como entender que de alguma forma temos um sistema permissivo quanto esta prática e mais, mantenedores de interações relacionais adoecidas ou seja, vivemos em uma sociedade gravemente adoecida.
Não há pretensões em trazer algo novo, mas provocar reflexões e talvez alguma crítica a falácia da racionalidade na pseudo humanidade, que não raras vezes se mostra regida por instintos tão básicos e primitivos, quanto a seleção natural das espécies.

O que temos esquecido é de construir em nós mesmos parâmetros que nos norteiem e assim mostrar o caminho a quem perceber nossas marcas na caminhada
Não basta trazer comida e agasalhos para casa, é a existência de vínculos afetivos seguros na formação de indivíduos que nos trará saúde mental. Em tempos onde a desumanidade campeia não só nos campos de guerra, mas, no silêncio de muitos lares desnutridos, de alimentos quanto de afetos que tantas crianças são violadas, agredidas e silenciadas. Para tanto uma breve alusão as reminiscências.
Nos primórdios a criança era vista como um pequeno adulto, que era capaz, de compreender e entender o mundo e suas relações. Com os anos, muita pesquisa, e hoje sabemos que as crianças, principalmente as da primeira infância, não contrário do que se cria, percebe o mundo de acordo com suas ferramentas primárias (som, toques, sentidos), e suas primeiras interações, estarão vinculados a si.
John Bowlby e Donald W. Winnicott, pesquisadores do desenvolvimento infantil, trouxeram importantes estudos no aspecto psíquico do ser; sobre a interação com o outro, no caso, mãe-bebê; e as variáveis que envolvem o apego, cuidados e ambientes para o bebê. Para estes estudiosos essa inteiração estava necessariamente ligada a alimentação, sobrevivência. Todavia, Harry F. Harlow (1905-1981) psicólogo norte-americano em suas experiências sobre a privação maternal e social em macacos Rhesus, ainda que haja controvérsia quanto a ética ou ausência dela em seus achados, mostrou a importância dos cuidados, do conforto e do amor nas primeiras etapas do desenvolvimento. E mais, comprovou que essa interação, extrapolava a função da alimentação, por necessidade do vínculo afetivo.
Na atualidade o sistema familiar tem despertado atenção dos pesquisadores e estudiosos das ciências sociais e humanas. Como essa instituição se mantém? Quais seriam os efeitos deste adoecimento na estrutura da personalidade dos indivíduos? Portanto. A família deveria ser a principal responsável pelo processo de socialização primária entre o indivíduo e sociedade. Através dela o sujeito adquiri conhecimentos sobre a realidade objetiva e apreende valores necessários para se preparar para a vida social, inclusive relativos à sua sexualidade. Além disso, nelas são construídos laços de dependência emocional que regularão este desenvolvimento tanto físico, social quanto psicoafetivo.
Não esquecendo que também são responsáveis pela apropriação da primeira identidade social do sujeito, onde figurarão os modelos de referências parentais, responsáveis pela transmissão psíquica, formação da estrutura da personalidade dos mesmos e a saúde mental deles. Formando um modelo explicativo de saúde-doença, evidenciada por sua dinâmica de funcionamento. Excetuando uma minoria resiliente que mesmo exposta a ambiente adoecido, mantem sua saúde mental.
Nessa dinâmica, importante que se diga que a participação ativa da mulher nas organizações de trabalho tem exigido que a mesma realize vários papéis sociais, como, profissional, estudante, dona de casa, mãe, entre outros. Passa a agregar às suas funções antigas, novas funções, a dividir com o companheiro, o lugar de provedora e mantedora do lar.
Algumas encontram tantas dificuldades em se dedicarem satisfatoriamente as necessidades dos filhos, que acabam por delega-los a outras pessoas e a relação da mãe com o bebê, sofre impacto direto, especialmente na fase do desenvolvimento psicológico e social que deveria ser saudável, para ambas. Se houver um bom cuidador, ainda há grandes chances destes vínculos existirem entre o cuidador e o bebê. Mas se não existirem? Que vínculo teria o bebê para sustenta-lo na formação dos relacionamentos posteriores em outras fases de sua vida?
A mãe, ou uma figura de apego segura oferecerá essa tão importante base de relacionamento caloroso, íntimo e contínuo, suporte emocional imprescindível. Importantíssima para os primeiros anos de vida, e demais fases do desenvolvimento infantil e adolescência. Bebês humanos são os mais frágeis na natureza só sobrevivem se garantido os cuidados indispensáveis. Mas, ainda assim não significa que tenham saúde mental. Portanto o que determinará saúde ou adoecimento no indivíduo, passa pelo registro que ele fizer da qualidade de suas experiências nos primeiros anos de vida, os tipos de vínculos estabelecidos de apego. Cujos efeitos duradouros, refletirão nas demais fases da vida do indivíduo.

As condutas das crianças e dos adolescentes, mostrarão a qualidade intrínseca dos valores ou da ausência deles, perpetrados na formação de suas crenças sobre si mesmo e sobre o ambiente. Vieses de leituras de si e do mundo, positiva ou negativamente. Diga-se de passagem: Para amenizar seus estragos só com muitas sessões de psicoterapia.
A inexistência de uma figura cuidadora afetuosa e presente, gerará instabilidades emocionais com consequências seriíssimas para o indivíduo quanto para seus relacionamentos na fase adulto.

A privação afetiva, causado pela negligência materna ou do cuidador nas primeiras vivências familiares, independentemente do nível sociocultural e econômico, pode alterar inclusive a anatomia cerebral da criança, com significativos prejuízos na estruturação da personalidade, logo, o desamparo ocasionado pela privação afetiva, gera tanta insegurança e sofrimento que esses indivíduos, buscarão algumas estratégias para compensar essa carência.
A necessidade de pertencimento, poderia ser uma das explicações dos adolescentes formarem gangues ou usarem drogas por sugestão de companheiros de grupo.
Nesse sentido, impõe-se uma questão fundamental, em alguns casos estaria a ausência de vínculos afetivos familiares, ou de apoio social influenciando nos comportamentos destrutivos dos adolescentes e dos adultos que são perpetuadores dos comportamentos adoecidos na atualidade?
Carolina Duarte dos Santos e Lídia Natalia Dobrianskyj Weber, a primeira Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação pela UFPR. Sob a orientação da Doutora Weber, em uma de suas teses, buscaram mães que abandonaram seu (s) filho (s), através de uma amostra intencional, e outras mães, indicadas pelas abandonantes, porém sem história de abandono. A ideia era verificar as semelhanças e diferenças entre suas experiências de vida e entre a qualidade de suas interações familiares em outrora.
As mães abandonantes tinham menos de 20 anos quando abandonaram seu primeiro filho, na maternidade; com o incentivo do companheiro. Alegando, precária condição financeira como justificativa ao abandono. Essas mães, quando comparadas com as mães que não abandonaram, foram filhas abandonadas, ou seja, inseridas em uma infância marcada por maus tratos e negligência parental.
Este precioso trabalho, é exceção, pois não temos pesquisas assim, os estudos existentes sobre mães que abandonam seus filhos, geralmente, são estudos de casos. Os pesquisadores e os autores que têm se debruçado sobre o vasto tema, examinaram a vida e a experiência de filhos abandonados e pais que os criam, pouco se conhece sobre os doadores. Um fato, porém, é determinante, a pobreza sem perspectiva alguma que parte da população do Brasil mergulha, estão repletos destes exemplos crassos de negligência e abandono. Mais costumeiramente se evidenciam através da mídia.
Sofremos com falta de Políticas Públicas sérias, não há controle de natalidade, tampouco orientação em programas sérios de saúde pública. Em especial de apoio a jovem mãe pobre e muitas vezes excluída da sociedade. Sem condições financeiras, sem apoio do parceiro e da família. Conclui Weber (2000) “ As mães abandonantes no Brasil são, em sua maioria absoluta, mães excluídas. ”
Não significa dizer que em lares com poder econômico maior não haja filhos abandonados, negligenciados e esquecidos em suas necessidades de afeto. Os quais constituem uma legião de desconhecidos nesse cenário onde todos parecem compactuar com o silêncio.

Laila Ali Wahab Morais

Advogada, psicóloga clínica e escolar

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