Quando você passa por uma decepção amorosa, você se considera apta ou apto para opinar na vida sentimental do outro? Ou antes… quando você adquiriu diversas escoriações no joelho aprendendo se equilibrar sobre uma bicicleta. Isso lhe confere suficiência para mensurar o medo alheio de uma criança ao dar as primeiras pedaladas?
Um dia eu disse assim para meu sobrinho: ‘ Pode ir tranquilo, no escuro não existem fantasmas ‘. Ele me respondeu: ‘ Ir como? Pelos seus caminhos ou pelos meus?; No escuro que você enxerga ou que eu enxergo?; Fantasmas que você não teme ou quais eu acredito? Ele tem quinze anos, claro que não me questionou com estes argumentos, mas disse alguma coisa do tipo ‘ Você é adulto, já viveu a vida… ‘
Eu ‘ já vivi a vida ‘, mas isso não me diploma a invalidar o medo do Outro com a minha experiência, aliás, isso não me credencia a neutralizar nem meus próprios medos, pois um caminho é diferente do outro, um escuro é sempre mais aterrorizante que outros e um fantasma … Bem, um fantasma é invariavelmente um fantasma, e na infância ele pode ser representado por uma entidade coberta por um lençol branco, mas na fase adulta ele pode ser uma dívida financeira, um emprego, um cônjuge, a saúde dos filhos, um conflito…
Desde nossa tenra infância nos consideramos preparados, prontos em nossos estágios. O senso de autocrítica é uma habilidade muito difícil de ser conquistada, pois antes mesmo de conseguirmos olhar para o que falta, tendenciamos contemplar o que nos alça sobre os demais.
Quando aprendemos dar os primeiros passos, qualquer tentativa adulta de nos guiar é um insulto, pois já sabemos nos equilibrar; na adolescência, sexo, drogas e relacionamentos afetivos já são nossas especialidades (ao som de muita música barulhenta, é claro!); na fase adulta, as perspectivas que construímos para conduzir nosso projeto de vida não costumam permitir observações externas: Comumente a vida profissional é norteada por entendimentos unilaterais e o gerenciamento da família não deve comportar qualquer variável que não passe pelo controle de nossas mãos…
Esse comportamento é desenvolvido desde os primeiros anos de idade e nos persegue até os últimos segundos de vida: A convicção de que, se não nascemos prontos, em um segundo conseguimos a total compreensão da vida e do mundo, e que esse conhecimento nos basta… A vida nasce no primeiro suspiro após o parto e, tão logo, nasce junto um mundo de possibilidades que só se encerra com o último arfar dos pulmões, antes do atestado de óbito… Neste ínterim não há nada de terminado, concreto, finalizado…
Quem adquire um conhecimento tem a obrigação de se conscientizar que ele é parte de um todo; quem ‘ conclui ‘ um estudo possui a obrigação moral de compreender que ele apenas abre precedentes para futuras pesquisas; quem dá por finalizado um trabalho, necessita contemplar que muito mais precisa ser feito em prol daquela edificação.
Uma apuração eleitoral prevê o início de um novo mandato, o final de um casamento prevê a restruturação de uma família, o término da vida prevê o início do processo de luto, a conclusão do parto prevê o início de uma vida… Sobre o entendimento de conclusões advindas de experiências, podemos recorrer ao psicólogo e cientista Carl Rogers (1902 – 1987) quando trata do processo de Aprendizagem:
‘ Deveríamos abandonar os diplomas como títulos de competência, em parte pela mesma razão… (a de renunciar aos exames. Eles medem apenas o tipo de ensino inconsequente). Outra reside no fato de um diploma marcar o fim ou a conclusão de algo, e aquele que aprende está unicamente interessado em continuar a aprender… ‘
Continuemos a aprender, e por mais que aprendemos nenhum conhecimento conseguirá terminar antes do nosso último momento sobre a Terra. E mesmo aprendendo, o nosso entendimento não será hábil para suprir as dúvidas germinadas nas experiências vividas pelo Outro.
Nossas experiências existenciais nos diplomam apenas conferir demasiada cautela ao aconselhar as ‘ desventuras ‘ emocionais do Outro, pois do mesmo modo que as feridas no joelho causadas pelos tombos ciclísticos, as feridas da alma não podem ser curadas pelas receitas ‘ semi-acabadas ‘ de quedas alheias.
Imagem de capa: Shutterstock/Urupong Phunkoed