Por Beatriz Vichessi
Até por volta dos oito anos, as crianças não mentem da forma como os adultos fazem. Na verdade, elas fantasiam, não enxergam problemas em dizer algo que não é real. Inventam situações ou aumentam fatos para satisfazer as próprias vontades e para manter uma boa imagem para si mesmas e para os outros.
Contam as chamadas “pseudomentiras”, como dizer que o pai comprou dois carros novos ao ouvir de um colega de escola que o dele adquiriu um automóvel. “Elas supervalorizam a própria imagem e ainda não são capazes de se autorregular”, declara Luciene Tognetta, professora do Departamento de Psicologia da Educação da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Araraquara (SP).
Nesse cenário, é preciso mostrar a ela que você sabe que se trata de algo que não é real e fazer com que volte atrás no que disse, compreendendo que o que foi falado não convenceu os outros. “Nossa, seu pai comprou dois carros. Vou pedir a ele que me mostre as fotos.”
Não raro também que, na volta às aulas ou no início da semana, as crianças exagerem ao contar o que fizeram com a família. “Fui até a Disney!”, dizem umas. Nesse caso, é possível trazê-las à realidade, simplesmente falando: “Entendo que você gostaria de ter ido para lá, mas para onde você foi no fim de semana mesmo?”.
Segundo Tininha Pupo, diretora pedagógica da escola Girassol, em Jaú (SP), é fundamental ter paciência e compreender a fase pela qual a criança passa. Ou seja, seja lá qual for a mentira, é importante não contradizer, chamando a atenção dela ou dizendo que é mentirosa na frente dos colegas ou dos adultos, nem fazer ameaças.
“Ela não compreende ainda o que é mentira nem que ao mentir está se colocando em contradição”, diz Telma Vinha, professora da Faculdade de Educação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Sem pegadinhas ou castigos
Evitar perguntas com ares de armadilha também é fundamental. Não se deve colocar a criança em xeque. Se você sabe que seu filho deveria ter devolvido o livro à biblioteca da escola, mas não o fez, em vez de questionar: “Você devolveu o livro?”, haja de maneira mais direta: “Vi que você não devolveu o livro, o que aconteceu?”.
Castigar quem mente pode até funcionar aos olhos de alguns, mas não ensina o valor da verdade. Por meio do punição, a criança pode chegar à conclusão de que às vezes vale a pena mentir, contanto que se pague o preço por isso ou ainda que é melhor não falar a verdade para não ser castigada.
Luciene afirma que o importante é fazê-la compreender que, quando contamos uma mentira, quebramos a confiança que o outro tem em nós.
Prefira então dizer: “Fiquei muito incomodada com o que você falou porque me senti enganada”. E mais: é importante perguntar à criança se em outra situação vai poder continuar confiando nela, questionando como se sentiria se você mentisse para ela diversas vezes.
Por fim, convide-a para pensar no que ela poderia ter feito em vez de mentir. Considere que às vezes as crianças mentem para não perder um passeio na escola porque esqueceram de pedir aos pais para autorizar a saída delas. Falsificam a assinatura ou dizem que o familiar se esqueceu de assinar o documento.
É preciso explicar a elas que assumir o esquecimento e pedir para a escola telefonar e perguntar para mãe se ela pode ir ao passeio resolveria a situação de uma forma muito mais legítima.
Mentiras graves
É sabido que, às vezes, a criançada exagera e fala coisas como “a babá bateu em mim”. Se isso ocorrer, é preciso conversar um pouco mais a fundo, afinal, é necessário descobrir se isso realmente aconteceu. Dizer para a criança que o que ela está dizendo é muito sério e que se a babá realmente tiver batido não vai mais poder trabalhar na casa da família é o primeiro passo. Depois, questione, com serenidade, se seu filho está fazendo alguma brincadeira, está bravo com a funcionária ou se está enganado.
Telma ainda explica que, para os menores, uma mentira grave é aquela em que ninguém acredita, uma mentira exagerada. Por exemplo, dizer que conhece um cachorro do tamanho de um elefante. No entanto, eles não veem muita gravidade quando alguém diz que tirou uma nota alta na prova, sendo que na verdade não tirou. “Na opinião infantil, essa não é uma mentira séria, porque ela poderia ter tirado nota alta mesmo. Para eles, essa é uma mentirinha inocente”, diz.
As crianças, portanto, pensam de forma diferente dos adultos. Afinal, se um adulto diz que viu um cachorro grande como um elefante, sabemos que se trata de uma mentira boba, que ninguém vai acreditar. Porém, se diz que tirou nota alta em uma prova, quando na verdade não tirou, sabemos que ele tem a intenção de enganar alguém.
Pai, você mentiu!
A partir dos oito anos, as crianças começam a entender o que é mentira, mas ainda assim atrapalham-se. Acham, por exemplo, que quando os pais prometem ir ao clube no dia seguinte, mas amanhece chovendo e os planos precisam ser alterados, eles contaram uma mentira. É preciso explicar que não se trata de mentira, que os adultos se enganaram em relação ao clima. “Mentir é sonegar uma informação que o outro tem o direito de saber”, diz Telma.
É por volta dessa idade que também começam a fazer experiências morais, contando mentiras para testar os pais. Já a compreensão das consequências de mentir leva tempo. Na adolescência, ela é maior, pois nessa fase já se experimentou o sentimento de bem-estar quando se é verdadeiro e entende-se que não vale a pena quebrar a confiança de quem amamos.
Desde cedo, é preciso acolher e elogiar os filhos quando eles falam a verdade, mesmo em situações difíceis. É preciso, portanto, estar preparado para ouvir verdades nem sempre boas se você não quer que uma criança minta.
Exemplo
Além disso, é preciso dar o exemplo. O pai não pode pedir à criança que não conte para a mãe que o viu fumando, por exemplo.
Esqueça também ameaças vazias como “papai do céu castiga quem mente”, “o coração da mamãe enxerga tudo e sabe quando você está mentindo” e “estou vendo dentro da sua barriga e sei que você comeu bolacha escondido”. Elas logo perdem a legitimidade porque rapidamente as crianças percebem que algumas mentiras não sofrem retaliações, que nem todas são descobertas e que os adultos não têm poderes mágicos.
É papel dos pais ainda deixar claro que mentiras não podem ser usadas como recurso para se livrar de alguma situação e que mentir não pode ser uma saída conveniente em certas ocasiões. Assim, quando a criança não quer ir à festa de um colega da escola, não faz sentido dizer a ela que dê a desculpa de que está doente.
“É preciso ajudá-la a pensar no que dizer sem usar a mentira como recurso, uma possibilidade é falar para o colega que não vai porque não está com vontade”, declara Telma.
Por fim, um alerta: muitas vezes os adultos acusam as crianças de mentir quando, na verdade, elas simplesmente não querem falar sobre algo. Por exemplo, quando brigam com um colega.
“Ter segredos é importante para a formação do indivíduo”, diz Telma. Isso porque valorizar a intimidade da criança é tão importante quanto ensiná-la a não mentir.
TEXTO ORIGINAL DE UOL
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