No site da Márcia Peltier
Doenças do coração foram, por muito tempo, associadas à população masculina. Essa percepção correspondeu à verdade até certo ponto da história – 50 anos atrás, no início dos anos 1960, de cada dez infartos e acidentes vasculares cerebrais, nove ocorriam em homens. A percepção pode persistir para muita gente. Mas a realidade, definitivamente, mudou – e é preciso abrir os olhos para isso.
– Dos anos 1980 para cá, as mulheres vieram ganhando terreno e hoje se equiparam aos homens – diz o cardiologista e clínico José Geraldo Moreira. – Hoje, 48% das doenças circulatórias acometem as mulheres. Ou seja, de 9 para uma, passou a um para uma.
A explicação? Uma combinação de muitos fatores, todos seguindo pela equiparação de questões ligadas ao dia a dia mais estressado e falta de cuidados com alimentação e a rotina de exercícios. Ou seja, a mulher, hoje, se igualou aos homens nesse triste campeonato.
A situação tem inspirado a campanha Mulher Coração, da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, que esse ano, o segundo, tem a atriz Claudia Raia como madrinha. “A ideia nasceu da necessidade de informarmos as mulheres sobre a prevenção de doenças cardiovasculares”, afirma o presidente da SBCM, o professor Antônio Carlos Lopes. “Na maioria das vezes, elas não apresentam sintomas comuns, como dores no peito, e é nossa responsabilidade divulgar as formas de identificar e evitar estes casos”.
– A maioria das mulheres não tem mesmo consciência desse risco aumentado e das particularidades de seu organismo do ponto de vista cardiológico – continua José Geraldo Moreira. – Muitas vezes sintomas como cansaço, dificuldade para respirar, dor de estômago ou nas costas podem apontar um episódio de doença circulatória e a mulher não dá importância. Acha que está trabalhando muito ou exagerou na academia.
A dupla -às vezes tripla – jornada é uma realidade de muitas mulheres, que assumiram o papel de provedoras acumulando o trabalho com a rotina doméstica. Resultado: estresse.
– Nas mulheres ainda temos que considerar o fator hormonal, como menstruação, gravidez, amamentação, menopausa – lista José Geraldo. – Muito mais sensível a essas alterações, o organismo feminino pode se ver diante de uma cascata hormonal que inclui descargas de cortisol e adrenalina, levando a mais estresse.
E a menopausa ainda traz a perda de estrogênio e progesterona, que são hormônios cardioprotetores, lembra o médico.
– A reposição hormonal que era feita até os anos 2000 não é mais recomendada, porque aumenta outros riscos, como o de câncer de mama, de útero e ovário, além de doença tromboembólica. Mas pode ser feita para mulheres de baixo risco e muito sintomáticas.
Resumindo, então: cascata hormonal, bola de neve na vida diária… quem não conhece aquela mulher que acumula funções e responsabilidades e acaba comendo mal, negligenciando o exercício, caindo em depressão? Ou até se identifica com esse perfil?
– A depressão acomete bem mais as mulheres, na proporção de duas para cada homem, especialmente depois da menopausa, inclusive por causa das mudanças hormonais. Por um lado, a mulher procura mais o médico do que os homens e se cuida mais. Por outro, tem maior sensibilidade ao lado psicológico, e emocional, que já é reconhecido como fator determinante na saúde em geral – aponta o cardiologista.
Um ponto em especial merece atenção, ele ressalta: o número de mulheres jovens fumantes vem aumentando, na contramão da queda geral do hábito tabagista.
– A partir da adolescência, o uso do anticoncepcional, combinado com o fumo precoce, o sobrepeso bem frequente nos dias de hoje e a entrada num mercado de trabalho estressante pode transformar a mulher num alvo fácil para as doenças cardiológicas. A atenção ao coração da mulher hoje tem que ser permanente, estar nos cuidados de rotina – encerra.
Imagem de capa: Shutterstock/Dmytro Zinkevych